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Escritor, psicanalista e poeta nascido no Rio de Janeiro em 1976. Considerado um dos poetas brasileiros mais representativos da década de 2000 na antologia Roteiro da Poesia Brasileira (Global, 2009), é autor de vários livros publicados gratuitamente em seu blog, cujos melhores poemas foram reunidos em A Magia da Poesia (Papel&Virtual, 2000), Corte (Ibis Libris, 2004), rio raso (Patuá, 2014) e o budismo e o tinder (Multifoco, 2020). Mantém o bem sucedido site “A Magia da Poesia”, que teve mais de um milhão de acessos em 2012, onde divulga a obra de grandes poetas. Seus poemas já foram selecionados para livros escolares, traduzidos para o russo e publicados em diversas revistas literárias.

27/12/2022

um poema de dentro

a máquina de moer o mundo
cresce, range, tem dentes de fogo 
e marketing de machine learning

seu som é tão claro e constante
que ninguém ouve
(que ninguém houve)

o resultado é certo:
no clima
nos resíduos
nas recursos
nos desertos

a máquina de moer o mundo
transforma jovens com olhos de esperança
em proativos suicidas

suas bordas indefinidas agora
lentamente enfraquecem
quem ousa pensar estar de fora

a máquina de moer o mundo
passeia por ela mesma
solta fumaça
quebra silêncios
e desinventa o canto das sereias

soltamos selfies e confessamos vantagens e abecedários
o dia inteiro, todos os dias solitários
em seus pequenos aparelhos retangulares

a máquina de moer o mundo
de aço molda cidades lotadas
vazias de laços

igrejas se formam da dor de existir dentro dela
e transformam belas palavras de amor
em motivação para seguir sem janela

25/12/2022

diurno (apesar de)

dia de natal
meio-dia
sol a pino
praia cheia

almoço e vou descansar
no ar condicionado
sem nem centelha de esperançar
na direção de uma mulher

pacientemente trabalhando a primeira
e a promessa psicanalítica da iluminação derradeira
(apesar de)
durmo

18/12/2022

clarice lispector - a descoberta do mundo

(Para Clarice Lispector)

saindo de casa 
a vida é mais ampla 

clarice também meditava 

descobri no cinema que ela vivia "apesar de" 
e na falta de grana de sentido de sossego de tudo 
foi traduzida para trocentos países 
porque Criava

clarice se sentia alienígena com pessoas vocabulosas
que curtem palestras sobre mímese e mimése 
as largava e ia para casa 
comer galinha com farofa

eu ando pelas calçadas dos bairros de clarice
pelas letras e palavras de clarice 
me sentindo menos só 



12/12/2022

o ser humano (rima fácil)

 já temos plástico
detectável em nosso sangue
e seguimos produzindo plástico

26/11/2022

sessão de cinema das cinco

ela tem uma boca
e eu a roupa da poesia mais louca
a escorrer dos dedos quentes

há um jantar futuro
mas não deixo o furo
estragar o presente

ela longe - ela rente
a energia o sonho a vontade o possível a palavra:
a gente

20/11/2022

stonehenge

ser gigante invisível
indivisível
não caça mais

nem viva nem morta
a boca enorme aberta

arco de dentes de pedra
tempo
e espera

11/11/2022

lançamento

luzes estranhas avisto
por sobre a negritude da reserva
e um mar negro de espumas
saliva o outro lado da estrada

disco voador, fogo fátuo?
não:
luzes de natal que começam a brotar
nas janelas cansadas

luzes de natal das mãos de um homem
talvez religioso
talvez cheio de certezas

e a chegada da data me aperta o plexo
tantos mortos
tantas faltas
tantos antigos

me arrasto das gôndolas
ao natrifrício marketing pessoal

um planeta que morre
e ele
e nós
(e eu)
com Vendas aos olhos:

o mais belo dos homens
não vale o que come

31/10/2022

tudo parece celebração

por 1% o fascismo perdeu
o nordeste venceu
e eu venho cantando pelas ruas
o poema nascendo sob o sol
e parece estar tudo
absolutamente tudo
em seu devido lugar

20/10/2022

processo

águamole em perda dura
tanto parte
até que cura

07/10/2022

raissa não tem redes sociais

na sexta-feira perfeita
pauso galadriel nas cinzas
enquanto sauron cai nas pequisas

leio drummond para dar drummond
na rosa vermelha que se abre:
um sábado bom

ela brilha
nova em flor
gosta de poesia
me chama de amor

***

(epílogo entre parênteses)

raissa sumiu sem emboscada: 
nunca encontrei fora do app 

não sei se morreu de morte morrida ou matada 
ou se me bloqueou - do nada 

05/10/2022

bostonaro na maçonaria

maçonaro paga imóveis 
com maços de notas de cem reais
(belzebu acima de todos)

arminha nas mãos
pela moralização
do desmatamento
(cem anos de perdão)

macedo fuma um maço
malafaia fala uma fake
e a fumaça do inferno
financia o culto
(sem ministério da cultura)

01/10/2022

a heroína em miles davis

borboletras coloridas
miles in the sky

a heroína em miles davis
salvará o mundo?
salvará a música?

(bateria em suspense)

25/09/2022

Ricardo Alfaya analisa toda minha obra poética em 4 livros

Alguns meses após enviar meu livro mais recente de poemas para o amigo poeta Ricardo Alfaya, recebi dele esta análise de toda a minha obra:





LEITURAS E RELEITURAS: Quatro livros de Fabio Rocha


Por Ricardo Alfaya


De Fabio Rocha, poeta carioca, recebo o livro de poemas que tem o surpreendente título de “o budismo e o tinder” (Rio, Birrumba / Multifoco, 2020). Assim mesmo, com todas as letras em minúsculas. Nessa obra, o autor adere direto à prática atual de produzir todos os poemas com letras minúsculas. Inclusive, nos títulos. E aqui temos o primeiro diferencial estético quando em confronto com os três volumes impressos anteriores do autor: “A Magia da Poesia” (Rio, Papel & Virtual, 2000); “Corte” (Rio, Ibis Libris, 2004); e “rio raso” (São Paulo, Patuá, 2014). Sim, o título do terceiro volume, na capa, surge também em minúsculas. Mas o fenômeno, em “rio raso”, somente ocorre na capa; no interior, os títulos se apresentam em caixa alta e, no corpo dos poemas, há alternância entre maiúsculas e minúsculas, conforme a paragrafação. Procedimento esse também adotado no interior dos dois primeiros livros. Quanto ao motivo estético relativo a “rio raso”, sucede que, na capa, o minúsculo das letras, sobre o insinuado movimento ondulante do fundo, sugere de fato um volume raso de água. E, claro, não escapa ao leitor perspicaz a ambiguidade desse “rio”, que remete à primeira pessoa do singular do verbo “rir”.


Porém, voltando a “o budismo e o tinder”, disse eu que considerei o título surpreendente. Aliás, para mim, mais do que surpreendente soou misterioso mesmo. Pois, acreditem ou não, eu não sabia o que era “tinder”. Como a outra parte do título falava em “budismo” e estou longe de ser profundo conhecedor dessa prática religiosa, imaginei, de início, que se tratasse de um desses hermetismos pascoais, isto é, de um termo esotérico relacionado ao budismo. Assim, como estava com o computador desligado, consultei o Sacconi impresso, nada achei. Nada também no Aurélio. Resolvi então começar a ler o livro, por certo, descobriria o sentido. Claro que não descobri nada e realmente não estava entendo patavinas do livro. Até que, olhando mais uma vez com atenção a capa, que é muito bonita, notei aqueles três coloridos ícones na parte inferior, que me pareceram essas coisas que existem em Redes Sociais. Virei a quarta capa, e tive a sensação de estar diante de uma logomarca.


Acabei ligando o computador e bastou escrever “Tinder”, na barra de busca, para que o mistério se esclarecesse. Tratava-se de um site de encontros; em geral, para namoro ou algo mais. Por fim, com base no texto de um dos poemas, o esclarecimento melhor da simbologia da capa e do próprio conteúdo do livro: o conflito entre a busca espiritual (na verdade, num sentido amplo, não apenas religioso) e o vermelho do “tinder”, isto é, da carne (e não apenas no sentido do sexo).


Poucos autores atuais escrevem poesia, tão centrados em si mesmos, quanto Fabio Rocha. E esse é um ponto em comum nos quatro livros impressos dele. O “eu” fabiano é incrivelmente onipresente. No caso, não importa se o poeta fala de suas fugidias musas ou de suas experiências meditativas, sempre notavelmente interrompidas por algumas das distrações e tentações telúricas.


Aliás, tem hora que Fabio lembra o Santo Antão, em permanente luta, na caverna, contra os demônios que tentam distraí-lo (com variados tormentos) do caminho da espiritualidade. Só que os “demônios” que tentam confundir e diluir Fabio são bem materiais, e atendem por nomes como Facebook, Televisão, Tinder, Geladeira e outras máquinas do mal.


No entanto, aí entra um aspecto fundamental. O que atormenta Fabio atormenta muitos de nós. Principalmente aqueles que também elegeram a busca espiritual (num sentido amplo) como a sua meta. Além de sentir na própria carne o problema, percebo que muitos outros praticantes de literatura, filosofia e artes – em geral – vivem hoje sofrida condição semelhante. Todos penam com a falta de tempo, com a dificuldade em conciliar as tantas mídias à nossa volta (a exigir nossa atenção) com as necessidades de retiro e concentração, indispensáveis, à produção de uma obra consistente. E, além disso, o permanente conflito entre inutilmente tentar conciliar as metas racionalmente traçadas, com os impetuosos e debochados desejos, que, amiúde, destroem qualquer projeto racional ou espiritual (se é que existe mesmo uma diferença entre ambos). 


Então, os dilemas de Fabio são tão nossos, tão de nosso tempo, que se tornam universais. Não nos sentimos lendo apenas as dores de outra pessoa. São nossas, são as de todos, sobretudo dos mais conscientes e mais sensíveis – em última análise. E somente se suporta ler a respeito porque, como diz reiteradas vezes Fabio, a poesia salva. Sim, só a poesia e o riso (raso ou fundo) salvam. A lágrima não salva, faz o sujeito morrer afogado. Mas se você consegue rir, apesar de tudo, você “segue adiante” – única direção possível – conforme afirma Fabio em um dos poemas.


Mas em qual dos quatro livros o poeta diz essas coisas? Nos quatro. Quanto a isso, não há problema. Porém, há sutis variações. E essas variações dizem respeito tanto à intensidade (em relação ao conteúdo) quanto à forma, como tentarei expor a seguir. Em suma, embora os quatro livros apresentem uma constante, as obras não se repetem, especialmente as duas últimas (“rio raso” e “o budismo e o tinder”). E que se entenda bem isso, não digo que os dois últimos sejam “melhores” do que os primeiros. São diferentes, são mais intensos (sobretudo o quarto), mas os primeiros possuem diversos fascínios e falam muito, com humor e ironia, da realidade nossa de cada dia. Muitas vezes mostram aquilo que fingimos não perceber ou que percebemos que os outros estão escondendo perceber. Vejamos, resumidamente, alguns aspectos (similitudes e diferenças).


A “Magia da Poesia”, primeiro livro de Fabio, de 2000, possui um título um tanto romântico, mesmo ingênuo. Porém, o título tem o mesmo nome do “site” do autor, isto é, “Magia da Poesia”. Trata-se de um “site” que existe desde 1999, ou seja, vem dos primórdios da internet, quando o autor era ainda jovem. E não é apenas um título de “site”, mas também o de um poema minimalista, presente nos dois primeiros livros impressos de Fabio. Longe de qualquer ingenuidade, o final desse texto em versos fala de qual seria a verdadeira magia de um poema: “eternizar um mínimo instante”. Acrescente-se, por fim, que o “site”, feito e mantido pelo próprio Fabio, é um sucesso de audiência (15 milhões de acessos) e uma das principais fontes de divulgação da obra do autor.


Então, temos aqui essa preocupação, nítida em Fabio, presente em suas duas primeiras obras (“Magia da Poesia” e “Corte”). Ou seja, de que o “Corte” logre obter um mínimo que se eternize. Em outras palavras, que leve à consagração e sobrevivência do “eu” literário. Veremos, mais adiante, que esse objetivo de imortalidade, se ainda existe em Fabio Rocha, já não se vincula à questão do corte, seja na forma ou no conteúdo, como já insinua no livro “o budismo e o tinder”.


Claro que não se pode confiar muito em afirmativas de poetas contemporâneos, cujas declarações são tão líquidas quanto evaporantes. Aliás, no quarto livro de Fabio, há referências constantes a Baumann, sobretudo, no que tange à liquidificação das relações amorosas.


De todo modo, no primeiro livro, qualquer ilusão a respeito da ingenuidade do poeta se desfaz com o desconcertante poema “LoBoS”. Poema, por sinal, que aparece como “LOBOS”, na abertura de “Corte”, o segundo livro, de 2004. Nesse texto um lobo se aproxima de uma criança. Pela tradição, o leitor fica na expectativa de que o lobo irá atacá-la (quem nunca leu ou ouviu a história do “Chapeuzinho Vermelho”?). Muito habilidosamente, o poeta se vale desse contexto. Porém, há uma primeira surpresa: o lobo, longe de atacar, se sente comovido pela presença do infante. Aproxima-se dele, carinhosamente, entregando-se ao afago, como um simples cachorro. Lágrimas e imagens comoventes atravessam os olhos de quem leia. Nisso, vem a surpresa: o menino pega um galho no chão, bate com ele no crânio da ex-fera, que cai morta. Incontinenti, o garoto devora o lobo e sacia sua fome.


Temos aqui um anúncio de um dos principais conflitos que atravessarão os quatro livros de Fabio, atingindo grande força expressiva em “o budismo e o tinder”. Refiro-me à questão da destruição da natureza pelo homem. Esse tema, recorrente em Fabio, e que me chamou a atenção desde o primeiro de seus livros, adquire um modo muito especial, corajoso e único. Em geral, mesmo os melhores poetas, quando falam da destruição da natureza, apresentam-na sempre de um modo um tanto distante e apartados de sua própria ação. Isto é, são sempre os outros que destroem a natureza. 


Em Fabio Rocha, ao contrário, temos, como na fábula do lobo, o ataque objetivo do homem à natureza. Dá-se que a natureza, muitas vezes apresentada como feroz, serve de justificativa para esse ataque. A tourada é possível porque o touro é feroz. Natureza boa é a natureza-morta, isto é, aquela domesticada e servil aos interesses do homem: os parques, os jardins, as praias cercadas por bares e calçadões, os animais que se submetem; as maçãs na mesa, diante de Cézanne… 


O sentimento de culpa e impotência (este detectado, em Filosofia, por Bertrand Russell), aparece na poesia de Fabio, em vários poemas, assim como surge na consciência dos que ousam encarar os fatos e na da minoria que ousa tocar no assunto. Em “Culpa”, na página 23 de “Corte”, o título já diz tudo. O poema é um daqueles em que Fabio reconhece que a sua simples existência (com os seus menores e maiores atos) fere de morte o Planeta: os passeios do poeta, “poluem o mundo”; a geladeira “esburaca a camada de ozônio”; “Banhos longos / desertificam o planeta.” Por fim: “Meus poemas / derrubam árvores”. Mais adiante, na página 28 de “Corte”, o poema “E Atenção”, declara, em seus últimos versos, que o poeta deve tentar convencer-se de que “está bem”: “Apesar  de estar em casa / ajudando a destruir o mundo / (…) / e absorvendo informações demais.”


São constatações absurdamente simples e profundas, ditas com uma espantosa leveza de linguagem. Nada de malabarismos de palavras, de termos pretensiosos, de rimas ou situações forçadas. Embora em “Magia da Poesia” e em “Corte”, o poeta demonstre se preocupar muito tanto com a forma quanto com o conteúdo do que diz, há um desconcertante equilíbrio em tudo, uma ironia cortante, fina, sutil que, de certo modo, oculta a potência com que os poemas atingem o leitor sensível. Leitor esse que, por sua vez, é tão massacrado por todo esse sistema quanto o próprio autor. 


Voltando ao poema do lobo, um ponto também que acho interessante, naquele texto, e que aparece em vários relacionados ao tema – inclusive nos que citei há pouco – é que não há propriamente crueldade no menino que mata o lobo. Ele não é um psicopata de filme americano. O infante não sente prazer em matar. Ele mata o lobo porque tem fome. Verdade que, na sequência do poema (talvez para chocar o leitor) o menino não demonstra qualquer arrependimento. Ele mata e se retira indiferente, sob o olhar cúmplice e também indiferente de uma coruja (a coruja, nas fábulas infantis, em geral é associada à inteligência, à razão, à sabedoria). Essa “culpa” (freudianamente inconsciente), no entanto, existe. Existe e aparece, justamente, em poemas como “Culpa”, “Em Atenção” e outros.


Assim como a criança mata o lobo por necessidade fisiológica, em outros poemas o “eu lírico” se entrega aos prazeres do ar refrigerado e da geladeira porque biologicamente não resiste. O “tinder” é mais forte do que o desejo pelo estado búdico. Apesar de a razão dizer “faça”, o sujeito não faz. E esse “sujeito” não é apenas o Fabio Rocha, mas a maioria que o esteja lendo, por certo. Afinal, “a sociedade empurra para um lado mais cego” (p. 40 de “o budismo e o tinder”) e, desse modo, “caio feliz nas melhores tentações” (páginas 44 e 45 de “o budismo e o tinder”). Mas é no poema das páginas 70 e 71, “racionalizando (gorro de Noel e camisa do Batman)”, que o poeta escancara claramente as contradições entre os ditames búdico-racionais e a vitoriosa força da carne (do “tinder”). Nesse poema, há toda uma sequência daquilo que sabemos que não devíamos fazer, mas que fazemos. Começa pelo “a gente sabe que não deveria comer carne / mas come” e vai até o “a gente sabe que não deveria interromper uma meditação / para fazer um poema / mas interrompe”. Não bastasse, o final irônico sobre uma situação cada vez mais frequente: “se derem chance / faremos palestras sobre autocontrole”.


Por outro lado, em “A Magia da Poesia” ainda encontramos poemas com o romântico título “Jardim” (dedicado a várias pessoas), que conclui com os dizeres: “As amêndoas serviam de giz / para escrever nas paredes / que era um menino feliz” (p. 17). Ou como “Brilho”, em que se diz (num poema dedicado a Alessandra): “Pingue a última gota / de esperança do coração… // Sempre haverá / estrelas no céu. // E nelas verei teu sorriso.” (p. 18). O estado de expectativa positiva também aparece neste, literalmente inspirado, “Respirar”: “Inspiro o luar, que na poça dança. / A lua nos inspira. Expiro esperança.” (p. 24). 


Tais discursos otimistas do primeiro livro já não aparecem no segundo, “Corte”, do qual foram, de fato, “cortados”. Mas sete dos melhores poemas de “A Magia da Poesia” se repetem em “Corte”, um deles, com ligeira modificação. No caso de Fabio, parece-me que ele não quis (como eu mesmo pretendi, em “Fronteiras em Liquidação”) aproveitar no segundo livro todos os melhores poemas do primeiro. Se quisesse, poderia. Há inúmeros muito bons como o já aqui citado “Sentido”: “Qual o sentido / de não ter sentido? // Nada faz sentido… / Nunca faz sentido… // O único sentido / é em frente.” Em “Antena” (p. 29), uma proposta de método que ele aplicaria, sobretudo, no segundo livro: “Quero captar, / como os Grandes, / a poesia da simplicidade. // Engenheiro que não sou, / devo desenvolver a antena / e encurtar o poema.”


Note-se que essa preocupação em fazer um poema conciso, esculpido, podado de suas “gorduras” e excessos sentimentais foi um ideário predominante na poesia dos anos 90, por uma influência que vem desde a poesia dos anos 1960 em diante. Não que fosse a única corrente, mas foi a predominante entre os poetas mais ligados à poética mais comprometida com uma postura crítica. Foi também a atitude mais adotada mesmo por aqueles que defendiam uma arte desvinculada de qualquer compromisso ideológico. A exceção ficou por conta dos poetas surrealistas, que, até por uma questão de método de trabalho, nunca se preocuparam com o tamanho de seus poemas.


Seja como for, a opção pelo lapidar foi constante no Fabio Rocha dos dois primeiros livros, sobretudo após seu poema “Corte” ser premiado por Affonso Romano de Sant’Anna, num concurso em que somente ele (Romano de Sant’Anna) foi o julgador. Diz o texto premiado de Fabio: “Tenho sorte. /  Ao menos tento forte / (mesmo que não acerte) / fazer do ócio, arte. // O tempo curto – corte. // Sem vida – morte.”


“Corte”, de 2004, é um grande livro de poesia. E, nesse segundo volume, já se nota uma característica que predominará nos dois últimos. Cadê a esperança? Cadê o otimismo? Em “Corte”, Fabio Rocha descobre que “a poesia da rosa / é seu espinho” (“A Cecília Meirelles”, p. 27). Na página 36, reaparece a “esperança”; porém, aqui, ela é uma mendiga: “Adivinhei minha esperança inteira / lá fora, no beco de Bandeira / mendigando.” Por fim, percebem-se poemas em que o autor deixou um tanto de lado a navalha, permitindo prolongamentos no texto. Entre outros, “Longe, Longe” é um poema que ocupa duas páginas (54 e 55). “Diário” se espalhará por página e meia (72 e 73). “Fiat Lux” se estenderá por toda a página 82 e pelas seis primeiras linhas da 83. Por fim, “A Henry Miller” preencherá toda a 84 e mais quatro linhas da 85. Essa tendência a um alongamento, a uma maior despreocupação com o “corte” constituirá a tônica do livro seguinte (“riso raso”, 2014), firmando-se de vez em “o budismo e o tinder”, em que a maioria dos poemas são longos e há, inclusive, dois poemas em prosa, característica ausente dos três livros anteriores.


Conforme o título já sugere, “rio raso” dá sequência ao clima de desencanto, anunciado em “Corte” e aprofundado nessa obra crítica, editada pela Patuá. Embora ainda se perceba a preocupação com a medida dos poemas (na maioria deles), vários são mais longos que nos livros antecedentes. O poema “Vertigo”, por exemplo, ocupa três vertiginosas páginas, aparentemente, fazendo paralelo com “Vertigo”, título de uma HQ para adultos, norte-americana. Em “rio raso”, emerge também o primeiro poema de Fabio, em prosa, impresso em livro solo: “Sem Internet”. Em “rio raso”, Há ainda certa sobriedade monástica, inspirada pelo escuro da capa, em que até o nome do poeta brilha temerariamente, quase coberto pela “água escura” predominante. Esse clima de “claustro” e “penumbra” diz muito do conteúdo do volume e, de certo modo, parece anunciar o livro vindouro, em que o Budismo e o Tinder se baterão em duelo (apesar de o clima de “o budismo e o tinder” ser mais iluminado, mais claro, digamos assim). Aliás, em “rio raso”, poemas como “Meditação”, “Zen” e “Nocturno” comparecem, conferindo um toque budista ao livro. Outro aspecto, além da menor preocupação com o “corte”, é que se percebe um descompromisso maior com as regras da pontuação, em alguns poemas. Embora o autor ainda mantenha a alternância entre maiúsculas e minúsculas (o que, como vimos, deixa de ocorrer no quarto livro, em que só há minúsculas). 


Contudo, que não se vá supor que “rio raso” seja um livro sombrio. Muito pelo contrário, trata-se de uma obra repleta de humor e ironia. Sem dúvida, um livro crítico, como tudo que Fabio Rocha produz. Porém, como o próprio poeta se define, no poema da página 79, “sinto a brisa / que sempre soube ser.” Ou seja, por mais sofrida ou complexa sejam as circunstâncias descritas, há sempre um riso, mesmo que seja um tanto raso, que, se desprendendo do poema, serve ao poeta como leve tábua de salvação.


O que disse acima, vale mais ainda para o notável “o budismo e o tinder”, em que os poemas realmente brilham com luz intensa (como sugere a capa), mesmo sendo o livro impresso em que o poeta mais assumiu suas contradições e desencantos. Baumann, que publicou livros sobre os problemas de relacionamento contemporâneos, será amplamente citado. Muitos dos poemas são longos. Se em “rio raso” o poeta já anunciava claramente a despreocupação com o “Corte” (com a concisão), aqui ele pratica e usufrui dessa liberdade. Talvez por isso, apesar, da temática um tanto desiludida, os poemas ganhem uma expressividade envolvente. 

Por outro lado, no poema “exit (piedade)”, Fabio comenta: “esta noite soube que roberto piva / também não reescreve porra nenhuma / que a vida é curta demais pra reescrever poesia” (p. 98 e 99 de “o budismo e o tinder”). Esse “também” me pareceu um tanto suspeito. A não ser que Fabio tenha um inconsciente sintaticamente perfeito, pois fluidez e clareza têm sido o ponto forte do autor, em todos os quatro livros. Conseguir isso com o espontaneísmo da técnica dos surrealistas é extremamente difícil. 


Seja como for, a inquietação criativa é a marca dos verdadeiros artistas. Repetir-se, por melhor que seja a dicção alcançada, é esgotar-se. O poeta, digno desse título, está sempre à procura de novos caminhos, mesmo quando precise desenvolver uma nova “assinatura” em seus trabalhos.


Ricardo Alfaya


Rio de Janeiro, 17 de setembro de 2022.


- Link para a postagem na página do Ricardo: https://alfaya.prosaeverso.net/visualizar.php?idt=7613773&fbclid=IwAR1_V1w20fIhD3b_hBnianYyFeqNKInqyhOq9lXqYVGmZEB-W5mRyVXlHtc

temporada de patos

não sou herói nem monstro

cansado de ser morto
corto o tempo absorto em passatempo
retomo o lento
leio invento

a palavra final não veio 
não vem
não virá

o momento definitivo e certo
não há

04/09/2022

o incurável super-herói borderline

o super-herói borderline passou por infinitos médicos
psicólogos psicanalistas psiquiatras
que não o trataram como eboidofrênico
mas não desistiu de melhorar
(nunca foi deste mundo)

o super-herói borderline lutou contra inimigos que não havia
destruindo relações antigas com o grito de sua super-raiva
criando depois superarrependimentos
mas não desistiu de se perdoar
(nem de recomeçar)

o super-herói borderline é imediatista e antissocial
se irrita com atrasos
e coisas fora do planejado (esquizofrenia latente ou pseudoneurótica)
oito vezes mais do que uma pessoa comum
(e sente o perigo até onde não há)

o super-herói borderline extrai do vazio
no meio do seu peito
no meio de sua vida
sua facilidade para fazer arte
(e acalmar o trem fantasma difuso e destrutivo de si mesmo)

o super-herói borderline teme demais perder as companhias relevantes
se acha o máximo
e se acha o mínimo
em intervalos super variantes quase psicóticos
(além das bordas da suportabilidade em todos os multiversos)

o super-herói borderline não sabe o que sente
não sente o que sabe
não sente o que sente
não sabe o que sabe
além de dor e ódio
mas pode ouvir vozes delirantes
(herança transgeracional de super poderes descontrolados)

das instituições, grupos, cursos, delimitações e outros padrões:
estou fora - estou dentro 
estou fora - estou dentro
estou fora - estou dentro
estou fora - estou dentro
estou fora e estou dentro ao mesmo tempo!
larguei: me arrependo

o falso-self do super-herói borderline 
contesta toda figura de autoridade
se une com todos os seus defeitos
e segue instável, impulsivo e intenso no seu esforço dissociado
de todos os dias levantar da cama sem bordas
(corpo sem bordas casa sem bordas país sem bordas)
e tentar salvar-se do mundo

03/09/2022

elvis

escrevemos sem saber se a palavra é a última

dos olhos que herdei pesados
queira o deus inexistente
que a palavra última seja
leveza

26/08/2022

casa

a palavra mais repetida nos sonhos da pandemia:
casa

o refúgio agora prisão
a vida cheia de não
lugar do casal em discussão
e para solteiros, mais solidão

22/08/2022

superação?

os super-heróis da minha infância
superalimentaram
meu superego

19/08/2022

a pior pessoa do mundo (2022)

no vasto venta
abraço alada acalenta
no imaginário

o crepúsculo traz as lágrimas
ou por trás das lágrimas nasce o crepúsculo?

a vida que poderia ser (janela)
num ínfimo estalo
se torna a vida que foi (bela?)

campos de palavras
semeiam olhos
criam ouvidos
sentimentos sentidos

o pássaro toca agora
a sua mente
indelével

13/08/2022

11/08/2022

na beira da praia

a tempestade me fúria
a tempestade me sou

vento dentro de vento dentro de dentro
(ódio dentro de ódio dentro de ódio)

amor?

10/08/2022

ode a todos os amores do passado

acolho vocês no presente
o presente que me são
porque foram

a pandemia tá cedendo
bolsonaro vai perder
e eu não vou (nem tento) esquecer

sei que é tempo de frio
o calor do que foi me acalenta o que poderá ser
assobio

guardo dentro de um abraço
o que foram o que fomos
e caminho

e também fico
e também passo

08/08/2022

vemos tv

o cavalo selado
só passa
(era) uma vez

06/08/2022

psicanálise crítica (saudade de Jung)

os terapeutas com muito vocabulário
não querem te ouvir:
querem te humilhar

nadam num aquário de diplomas
batem recorde de artigos que nada dizem
e quase não tem horário

os terapeutas com muito vocabulário
fizeram outro curso na Sorbonne
não se calam para te ouvir melhor
mas apenas para mostrar para si mesmos
como conseguem conter o corolário

os terapeutas com muito vocabulário
não abrem o coração, abrem a carteira
e dão cursos caros com muita teoria de aquário:
não acolhem, não entendem, não cuidam

não há mar
(não amar)
esqueletos no armário

desconfie
dos terapeutas
com muito vocabulário

02/08/2022

poetrix antiMarketing (sublimação)

eu não quero que você clique em nada
eu não quero te vender nada
eu não tenho nenhuma solução para a sua vida

01/08/2022

psicanálise (Verdrängung)

cada pequeno ato
correto
prazer e cura

lenta fala
escuta
arte

26/07/2022

a taxa de mortalidade dos vivos é de cem porcento (universo 25)

não se sabe com certeza a data
mas a pata do leão
está se movendo

felicidade

humanos beirando a borda do quase
(muito perto mesmo)

insetos rodando a circunferência do copo
até morrerem

23/07/2022

tela

ela e meu livro na mão pequenina
ela avião
doce pequena perdição

ela janela

bela

bela

20/07/2022

avião

mulher tão pequenina
que não cabe nas roupas pra festa

me_nina
sonha alto
voo junto

11/07/2022

a_bunda

a janela é a esperança de encontro
tal qual já encontrei no passado

porque a vida é isso: o outro
companhia prazer alegria de estar

a beleza a_bunda
e a certeza futura é a tumba

hilstiano número 2

o que restou foram dias sem dias
lentamente na casa
na caixa

deus?
uma promessa vazia

silencio ou alvoroço
com olhos de ave
a janela

a janela se abre pro depois
pra esperança

a janela
sempre nos alcança

04/07/2022

novo aumento do número de casos e de mortes

a vacina a máscara a pandemia
já nem sei como era
quando saía

30/06/2022

porma

Não tive filhos. Quatro livros. Quarto livre.

Cada vez menos ligo pro conteúdo de meus poemas. Forma se forma em forma e informa. 

Não fui super-herói. Não sou super-herói. Nem quero mais ser super-herói. Não sou nem legal.

A poesia, porém, sai. Da boca peluda. Não meço o lirismo por moda ou pra ser atual. Não sei nem o que é lirismo. Sei que está frio e escuro. Estou só. Sofrimento ou não sofrimento tanto faz. E se escrevo estou sol

29/06/2022

o que me move

a sombra do desejo
lampejo
impulso
beijo

ela há

basta

ela virá

27/06/2022

sempre

com Hilda Hilst descobri que as estrelas estão sós
enquanto olhamos nossas mãos
(e os aparelhos em nossas mãos)
como mendigos

minha vida é uma espera
num lugar nunca pronto

solidão e obediência
entende?

às vezes são
às vezes tonto
me distraio com videogames da adolescência
no castelo que me prende

o furo da prisão é a janela
abrindo sorriso

o futuro da solidão é ela
a poesia que resiste calada
e na menos previsível madrugada
estrela

09/06/2022

o ovo de salvaDor

processei a alma gêmea:
se ela geme de lá
que eu gema Dali

26/05/2022

spam

é tempo de atentado
desatenção 
golpe
assassinato

roubo 
fraude
separação 
tipo johnny depp

democracia 
em extinção

(agressiva agressão)

...

parecem milênios
mas há poucos anos atrás
eu namorava e tínhamos nossa música

no primário eu desenhava coração
e o nome do bem querer
dentro da canção

20/05/2022

navi_o farol

o mar se move alto
ruge

dentro das horas dentro
líquidas de silêncio

estátuas natimortas observam
céus de azul

algo se aproxima
e seu som é grave

18/05/2022

recado de granito

meus pais hoje fazem 48 anos de casados. no sofá, com cobertas, revezam-se em dormir no meio dos programas de tv que compartilham. lá fora, frio, amores líquidos, pandemia, nazismo, guerra, ingratidão, celulares e golpes. aqui dentro, carinho.


OBS.: A Débora Malucelli fez uma arte com este texto:



17/05/2022

deixe seu recado

pensei num poema
mas o celular me distraiu
do netflix pausado

meio que perde o sentido com tanta fdp

olho o mar salgado sem entrar
bebendo água de coco
enquanto o batman fala de amor líquido

07/05/2022

lugar de fala

o mundo e suas bolhas
na pele de meu corpo

e a família tudo bem?

tudo maravilhoso!

05/05/2022

a evolução não para

sobrevivemos
comendo o lixo e o plástico que produzimos
trabalhando longe da família

a evolução não para:
cai a calota polar
o urso morre afogado
mas meu fusca tem calota prateada

03/05/2022

mãe

corpo inteiro
que se abre em espera
e se a semente não vem
se desespera

ferida em ciclo
que se sente
em nós

então a música esperada
redonda e sempre
onde havia
nada

01/05/2022

a mente e o sonho não estão separados

a mão e a ação
a palavra e o sentido
o som e o ouvido

26/04/2022

equanimidade e sal

porque no fundo
cada ser sólido no mundo
quer apenas ser feliz no meio de seu caos

18/04/2022

elemento água

meia lágrima pela impermanência
era prevista mas tudo bem
(qual não é?)

16/04/2022

crepúsculo de páscoa

frio laranja e grave pão
a noite lenta sobe a varanda

tempo de renovação
recomeço

ludovico einaudi
o silêncio a repetição
e uma tangerina nem tão doce
(maiores que eu)

nenhum berço

ainda tenho as palavras
perto das mãos
sem terços


a cor do cavalo (para luiz guilherme libório)

o não-cavaleiro
caminha além
da existência ou da não existência do cavalo

lucidez

a queda é rápida:
olhem além
da jornada

14/04/2022

na média

2022: 
classe média agora tem moto 
um pouco abaixo tem fome

12/04/2022

janela feia

o mundo lá fora desmoroneia democracia em areia o país sem jeito mas eu deito em teu peito

02/04/2022

nós

como quem entra numa banheira japonesa
morna

a vida se entorna
em mim

a estátua de buda olha
silenciosa

ela
nem mais nem menos
nem futuro nem passado

lenta e relaxadamente
(presente)
se fazendo
nós

29/03/2022

desorientação vocacional

quando não sonho que estou atrasado pra alguma aula na uerj
é aula na ufrj
de metrô ou de carro
em ambas perdido
o que foi
e o que poderia ter sido

27/03/2022

caminho

ao poema perfeito nunca se chega
vou em cada letra um passo
um pássaro
e voo

25/03/2022

bons hábitos

as mesmas coisas nas mesmas horas:
todo dia
poesia

24/03/2022

times new roman 12

o carro voa na bruma do mar do recreio
névoa branca
sorrisos de prostitutas
cheiro de camiseta

o mar azula meus pulmões
e se desfaz em letra

acho que tem mais de dez anos
que não faço um poema bom

(talvez tenha secado a fonte)

22/03/2022

edital

os sapos nas folhas
chuva
cheiro de terra molhada
som de vento em folha

os sapos nas folhas procriam e fenecem

os sapos nas folhas
chuva
cheiro de terra molhada
som de vento em folha

19/03/2022

túlio bem contigo?

minha vida é leve como comer
mcdonald´s antes de dormir
com coca zero

o deitar no presente de paz
leve leve leve

gratiluz

17/03/2022

amorte

amor não sei
mas sexo antes de dormir melhora a qualidade do sono
e ao acordar melhora a pele

a minha terapia...
a minha terapeuta...

a minha terapia...
a minha terapeuta...

a minha terapia...
a minha terapeuta...

a minha terapia...
a minha terapeuta...

a minha terapia...
a minha terapeuta...

a minha terapia...
a minha terapeuta...

não é minha

16/03/2022

saudade

ela linda e inteligente
estuda prum lado eu pro outro
mas mesmo longe ligamos
dividimos conquistas e doenças
passados e futuros

o dia a dia com relógios enormes
de ponteiros que espetam
vários depois

nos desencaixes dos tempos
apontamos encontros
e esperamos sorrindo

14/03/2022

dupla estagnação (ou o vômito de ouroboros)

o mundo não sabe o que fazer com uma pessoa inteligente
mas
o que uma pessoa inteligente consegue com este mundo?

amendoeira

longe rios dormem margens plácidas
pássaros ainda me respondem
passo

a passo
as coisas se depositam
em seus lugares de origem

independente de meus passos

11/03/2022

mamãe falei

a exploração humana
arrasta-se pelas fendas da mutável ética
em estudos de tempos e movimentos
sem beleza, música ou orquestra

08/03/2022

sonho (e aposta)

o mar
maior
do que se mostra

06/03/2022

pro(tetor) solar

o problema da vida é o quase

o mar ali perto o tempo todo
mas tá gelado e bravo demais

o problema da vida é o mas

noite (the sinner)

estamos todos presos fora de um abraço
numa rocha que se deteriora no espaço

mora no fundo de meu hábito
acre-ditar

o salto maior ao silêncio eu adio
travo, desfaço

nietzsche sim nietzsche não
hora a hora
deus dentro deus fora
mal me quer
meu coração

01/03/2022

ane

eu tentando ler o artigo quinto da lgpd de 2018
mas na cabeça
ela

o cheiro dela o gosto dela o toque dela a fala dela o silêncio dela

a perna dói a barriga dói a cabeça dói 
pela falta de exercício no mesmo quarto diante da mesma tela
(três anos em isolamento pandêmico antes dessa guerra mundial)
a cabeça arde
o silêncio dela



16/02/2022

11/02/2022

the sinner

gosto de mulher com voz bonita
e de punir
quem marca e se atrasa

09/02/2022

the swain, saint-saens

reconheço a música que não começa
ne espera do atendimento médico telefônico 

ela

quase traz quase lágrimas de épocas antigas
onde havia encontro
e motivo

07/02/2022

meu filho, meu filho

meu filho, ao encontrar conexão, não perca. não deixe raiva, orgulho, família, o que for te fazer perder ela. sonhei com ela hoje. vinte anos passaram e ainda sonho. estava na casa da minha avó com ela, onde eu era infância. dizendo que ainda gostava dela, notando que ainda gostava dela. pela conversa boa, pelo entendimento telepático, pela divisão de sonhos e poemas, pelo sexo perfeito, pela voz linda, pela comunhão de décadas. o que começou pela amizade se solidificou de uma forma muito mais natural e real e agora me vem em sonho longo como vontade de dizer a mim mesmo: não estás te boicotando nos inícios há vinte anos por não ser ela? e ao filho que não há: não desperdice o encontro.

11/01/2022

a filha perdida

o tempo se expande na árvore
rugas caules silêncio

além do cansar
percorre cada corpo ainda
a vontade de sentido

tudo bruto
desencontro
desencanto

pedra na água
nada além

08/01/2022

estado natural

acordo sem olhar o celular:
paz

o silêncio me molha
me molda

saio da roda do caos
e faço o poema
que me faz

04/01/2022

fabiorochapoeta

eu falo e digito pra não esquecer: fabiorochapoeta
no email, no insta, no inferno: fabiorochapoeta

mesmo assim me perco de mim
busco empregos, musas, sentidos e coisas a buscar
tropeço em fugas e bocas
foco em metas

e eu no fundo querendo só me dizer: fabiorochapoeta

as revistas culturais me odeiam
as irmãs inimigas
as primas negacionistas

e eu querendo só me bastar: fabiorochapoeta

a morte vem a galope
devorando promessas
mas sigo sem migo
fabiorochapoeta