30/10/2013

dança

um escritor não deve
viver de tudo na vida

antes de tudo
deve evitar sofrer
porque sente muito mais
que qualquer outro ser

vivemos a um passo da loucura

e a roda da vida não para:
acerto e erro
os pássaros da dança com Mara

paro
respiro
recomeço

que meu último poema
não traga alívio ou incômodo
para todos na samsara

que meu último poema
seja para
ajudar a iluminá-la

29/10/2013

bom dia, amor

Para Danielle

eu feliz no mercado
comprando o que ela gosta
porque ela vem

depois, ela me coça as costas
e me corta o pão
em diagonal
(fica tão bom...)

nessas breves horas de distração
sem o medo futuro, sem o peso passado
ainda ser capaz de amar
e ser amado

28/10/2013

38 e meio

38 e meio

gemo claro no apartamento vazio
o fim de semana inteiro

38 e meio

o corpo para de se mover
e olho o nada
numa meditação avançada
pelo cansaço
pela doença

38 e meio:
minha idade e minha febre

24/10/2013

amitabha

alegrias falsas e impermanentes
dores falsas e impermanentes
saúdo a saída:
os portões da mente

22/10/2013

des_ilusão: tudo um

leio Heráclito
no silêncio
de Sidarta

18/10/2013

única meta possível

jovens querendo mudar o mundo

riachos tênues
percebendo pela primeira vez
a enormidade do deserto

a partir daí
(deste murro mundo muro duro)
alguns pregos quebram
partem

outros compram produtos de marca
outros fazem arte
outros bebem
mas tudo finda

não nascer nem morrer:
a coisa mais linda

17/10/2013

cores e dores

o jardineiro
feio
planta flores

vacuidade

a minha bolha de realidade
esbarra na sua, diferente:
nenhuma existe realmente

16/10/2013

centro

sempre vi
no silêncio das árvores
a sombra da perenidade

é deste silêncio
que brota tudo
inclusive a nossa forma
de ver o mundo

vou junto
juntando palavras
para oferecer aos seus olhos


15/10/2013

isso não pode ser a vida

como me doem a poesia
a beleza, o afeto
a agonia do que pode ser dito
e depois
pode doer, pó de matar
escondido o inimigo no amigo
ciclos infinitos de rostos bonitos
depois feios

14/10/2013

samsara

tenho sonhado com tudo
todos têm sonhado comigo
contudo, seguimos
dormindo acordados

da beleza da finitude

estrelas extintas
sob as quais nossos dias
de um sol que terminará

des_ilusão

irrelevante ter ou não ter
paixão

perante a importância
da compaixão

13/10/2013

o amor que começa como amizade tende a driblar as ilusões das paixões

momentos dourados
esquecidos nos cantos da vida duradoura

momentos de pura felicidade

estrelas cadentes
em longas noites escuras

momentos extremos
fugazes
que estranhamos
e perdemos quando pensamos

12/10/2013

vento ao sol de sábado

na cama
ela se encosta
nas minhas costas

ou anda
enquanto fala no celular com a prima
(ela cala tanto)

acho bonito
o quanto a desconheço
o quanto
desconhecemos tudo e todos
o tempo todo
até nos mesmos

não tenho a ilusão
de um dia
vir a conhecê-la

tudo o que nos parece mais certo é sonho

sinto é esse frescor de tocar as mãos
que faz achar até bom
o deserto onde nos afogávamos

(aprendemos tudo errado a vida toda...)

agradeço ela
no meio da vida
nesse meio-dia

sol a pino, eu mantro:

não procuro nem espanto

não dependo nem esqueço

não comparo nem ignoro


um dia ela vai embora, eu sei
um dia também irei

vou vivendo sem esforço, medo, plano
sem verbos:
letras de um sábado sem pressa

deliciosamente imperfeitos
corpos feitos de preguiça
dormindo nas horas mais estranhas

relaxados, alimentados
quase atingindo
a complexidade
de ser simples
de ser agora
sem deixar nada pra depois
sem querer nada do depois

ela, eu, você, pronomes pessoais
(no caso, todos iguais)

before midnight

a vida posta
na mesa do efêmero

um pássaro
pousa
no crepúsculo

somos todos
os mesmos passos leves
criando danças

crianças

passando

08/10/2013

sob o mesmo sol de maiakóvski

na primeira noite elas pisam seu jardim com expectativas
vem cobrar amor nas portas fechadas
e você deixa: por pena, por medo, por culpa
sem dizer nada

na segunda noite, quando você abre a tranca do plexo
i-m-e-d-i-a-t-a-m-e-n-t-e
te largam mais sozinho que antes
sem jardim, sem casa, sem amor e sem nexo

então, a mais frágil delas
sorrateiramente, silenciosamente
tenta calar seus poemas

mas ainda posso dizer algo, camarada:
esta luz, a Minha Voz
não pode ser roubada

vaso

       dou voltas no copo
                                       eu tempestade
            esquivo furadas
                                       vazo
                 calo trovões

sólido público (preso na rede social)

"como somos felizes"
"como somos felizes"

como somos ridículos...

chega um tempo em que não basta ser:
é preciso contar
pra se convencer.

04/10/2013

autopromessa

rasgarei meu peito nada terno
mas jamais
meu caderno

03/10/2013

busca incolor e rítmica

procura-se
musa indolor
e não insípida

01/10/2013

maia

parecem
pedaços
de nuvens caindo do céu
e uma planta quase morta

(aos descrentes)

mas a desolação é ilusão de véu:
toda a minha árvore
vive e voa
pela semente

foto: Fabio Rocha



Foto da reportagem no Canal Aberto (Veículo de Comunicação Interna da CMB) - Edição Número 141 - novembro e dezembro de 2012 - p. 7