29/04/2017

da fogueira entre os fascistas e os vagabundos lulistas

os que defendem os policiais e o governo
estão mais cegos
do que o estudante inocente de esquerda que perdeu um olho
para uma bala de borracha
pelo bem maior da ordem e do direito constitucional de ir e vir
(não foi golpe)

os que defendem a greve geral contra a perda de direitos
estão vendo como certíssimo
queimar lixo, pneus, ônibus e velhinhas inocentes de direita
pelo bem maior da maioria pobre e trabalhadora
(foi golpe)

há cegueira extremista
nos dois grupos
se não vemos que criamos o mundo com o olhar
e a mão esquerda e a mão direita são partes do mesmo corpo
humano


28/04/2017

27/04/2017

poema pré-greve

crio crianças desvanecidas
extremamente imaginárias
arrítmicas
esporádicas distantes mútuas
cruéis com candelabros e caveiras

mesmo assim
doa a quem doer
todas preferem
sem temer

a chama de shamata

tanta coisa a arrumar
na casa
na vida
nos negócios
no amor

mas você senta em silêncio
e depois de dez ou quinze minutos
segue tudo desarrumado

(mas tudo bem)

25/04/2017

jornada

os dromedários trazem
nos vales das costas
o silêncio do vento
e a vista do céu

os dromedários
são meio camelos
são meios camelos
não são um fim em si mesmo

as sombras dos dromedários
são dromedários imaginários
e lado a lado
caminham deitados
com os pés se tocando
nos intervalos do voo

24/04/2017

poexisto

escrevo e crio
poesio:
o cravo brigou com a rosa
no apartamento vazio

poexisto
mas o povão só entende prosa

(então reclamo longamente
do hábito nosso de reclamar sem rimar)

cavo sete oceanos
para chegar perto do que creio
cavo mudo
e perto do deserto
mudo

quem muda?
- eu

existo em pó e delírio
resisto e crio
mas quem?
- eu

o eu é uma placa dourada
debaixo de um sacada
debaixo de uma coroa
querendo estar certo
querendo star
querendo fazer curso de fotografia
pra poder fotografar mulheres lindas e querer mais um pouco

o eu é um louco
querendo querer
(pulsão e tesão - Freud acharia bom)

o eu é uma faixa amarela
gravada com o nome dela
olhando outras cores e faixas e nomes
sem deixar de ser uma faixa amarela
gravada com o nome dela

o eu é um chato agarrado a um hiato
na chuva sublime que ele não sente
porque pensa e teoriza sobre a sublimidade da chuva

o eu é um chato
que prefere ser chato
do que não ser

e o caminho é não ser

(ele vê isso
mas finge que não vê)

23/04/2017

Telas - Meditar é resistir

Você lembra quando foi a última vez em que passou o dia todo sem olhar uma tela? Tenho percebido em mim mesmo e nos outros, dentro da perversa normalidade, uma quantidade de tempo gasto olhando telas cada vez maior enquanto diminui nosso tempo em contato pessoal, próximo, com atenção, olho no olho. Pela facilidade, substituímos um papo com amigos por likes nas redes sociais e seguimos carentes. Gastamos o dia todo vendo recomendações de amigos nas redes sociais em fotos, vídeos ou textos em vez de estar juntos em carne e osso com esses amigos. Lentamente vamos deixando este movimento nos levar. E ele não pode ser benéfico, se pensarmos bem.

A gente já acorda com o celular cheio de mensagens e não resiste a olhar... Se estamos num show, nos desligamos do show para criar um vídeo para as redes sociais, pois a sociedade do espetáculo valoriza mais o mostrar a experiência aos outros do que a experiência em si e embarcamos nessa... Até no cinema não aguentamos mais ver um filme inteiro sem checar o celular. Os livros em papel então, esses objetos antigos, parecem cada vez mais impossíveis de se ler, longos demais para alguém com um celular à mão com um próximo grande amor que pode ter respondido no Tinder.

Estamos treinando nossa mente em não conseguir se concentrar, em ser mais ansiosa, em estar menos presente no agora. Menos satisfeita. Mais agitada, distraída... A resistência pode começar em tornar estes hábitos mais conscientes, evitá-los racionalmente, priorizar nosso tempo para ficar longe de telas. Outro aliado é meditar, mesmo que sejam apenas poucos minutos por dia, com uma certa constância, pode se tornar um hábito muito benéfico no meio de tantos hábitos que só pioram nossa qualidade de vida, algo como uma âncora nos prendendo ao momento presente neste mar de confusão que criamos para nós mesmos.

22/04/2017

poemas na revista bodisatva

Alguns de meus poemas de inspiração budista saíram nesta matéria bonita sobre poesia da Revista Bodisatva, escrita pela Cristiane Bremenkamp. Confiram!

21/04/2017

baleias azuis

sente: a escola
não substitui
pais presentes

laura

a língua lambe o nome dela
elo além do longe
liga

20/04/2017

desarte

gastamos nosso tempo todo
dentro das mentes dos personagens
resolvendo e criando problemas dos personagens
com urgências, metas, planos...

escorregamos diariamente
do amplo
do céu
do todo
para acreditar num personagem
temporário, limitado e bobo

deixe-me ir - preciso andar

"vou por aí a procurar"
trinta passos pra trás
palavras chave pra organizar o insolúvel
anacoluto do infinito
ouço cartola e mudo
falo A e vou por B
nascem letras embora das mãos
que não sabem mais para onde apontar
(e teimam em apontar pra fora)
"sorrir pra não chorar"

acre desagrado (sem sagrado)

olhar sem precisar do olho:
por que não vejo eu em quem agrido?
(grita o cavaleiro de ouro)

19/04/2017

13 reasons why

Alguém já deu uma olhada nos índices de suicídio desde a 13 reasons why? Só vejo índices de pedidos de ajuda subindo muito, psicólogos vários falando que a série é um gatilho pro suicídio e fica por isso mesmo. Não podemos fazer nada pro Netflix parar de transmitir, se for o caso?

Eu mesmo vi a série toda e nos primeiros episódios achei que era uma crítica social profunda que poderia levar muitos a uma maior conscientização (tipo um soco no estômago pra fazer a gente acordar) mas quando cheguei ao final, já estava achando que o potencial de malefício do seriado deveria ser muito maior do que o de benefício. Não basta um seriado falar de suicídio para trazer benefício, principalmente glamourizando o suicídio e a vingança. Particularmente, a cena de suicídio é tão medonha que desviei o olhar, pior que qualquer filme de terror e quase uma aula de como fazer.

Se fosse uma série orientada por psicólogos ou profissionais especializados em suicídio, com o objetivo claro e explícito de ajudar possíveis suicidas, tudo bem. Pelo que entendi, não é, visa audiência e lucro pro Netflix. Logo, um perigo.

O CVV - Centro de Valorização da Vida - está achando bom um aumento de quase 500% no aumento dos pedidos de ajuda no Brasil, mas deveríamos saber também se aumentou também a quantidade de pessoas se suicidando. Se alguém souber dos números, para não nos perdermos em opiniões pessoais, comenta que adiciono aqui.

* Dei uma pesquisada e não estou sozinho com esta opinião:

http://www.newstatesman.com/culture/tv-radio/2017/04/netflix-13-reasons-why-suicide-irresponsible

http://www.dbknews.com/2017/02/22/13-reasons-why-netflix-suicide/

17/04/2017

das gargalhadas

eu só lembro de dar gargalhadas a ponto de chorar de rir na infância e adolescência. acho que meus amigos também. deve ter algo a ver com o que chamam de normalidade. o peso e seriedade atrelados a visão de uma felicidade no porvir, distante, a ser conquistada, engatilhada na palavra quando.

15/04/2017

trova pra postar no face

ninho de caramujo distraído
por passatempos e metas
tentamos matar a sede
bebendo água salgada

14/04/2017

paz (coa) impossibilidade da mão

ela cheio de silêncio:
o espaço entre o estar
e o não estar

nenhum movimento possível
difícil
respirar

os dias em superposição de fraqueza
o grande vão
entre star e não star

(pontes afastando chances)

você gosta de rock?
você gosta de desenho animado?
você gosta de filme dublado?

(me permito ficar dentro do muro
agarrado ao vazio
não acreditando na vastidão do olhar)

indefinição no plexo
como se fosse possível estacionar o trem
e parar quieto
com sua mão longe

indefinição no universo
como se fosse urgente
estabilizar a última estrela

ela silencia poesia
e já nem sei que dia
adio

papos profundos não fluem
conversas banais não fluem
somos rios secos
de sorrisos mancos
descendo aos trancos pro oceano
sem tempo

já não creio em criar
nem na tatuagem perfeita como sinal
de salvação

já não creio na perfeição

já não creio nem no que escrevo
e contamino com palavra
o que o silêncio já matava

13/04/2017

nada(r)

a praia desertifica pulmões
a praia plúmbea
pútrida

sal arde as narinas duras
nada dura
nada cura o mal

sob o mesmo céu
iodo
alga
lodo

o mar gritará toda manhã
um poema vazio
para o nada

toda onda é vã

12/04/2017

o escafandro e a borboleta

cada letra é um salto e uma flecha
para a comunhão
o encontro com outro ser humano

o salto da espuma do abismo
do que realmente é
para o que poderia ser

a flecha
tentando alcançar a juventude
que se afasta numa barca lenta
gemendo nas ondas

um piano começa em som
teclas brancas de areia
vem e vão:
mãos

11/04/2017

(falta de) tempos pós-modernos

não há tempo para amar
mas tempo há
para o facebook

10/04/2017

não nos tocamos

assim fomos criados
assim criaremos

a casa
em ordem

oferecemos diariamente
conhecimentos, posses, críticas e conselhos
(principalmente pra manter a casa em ordem)

pais aos filhos
filhos aos pais
geração após geração
formais

depois reclamamos
dos conhecimentos, posses, críticas e conselhos em vão:
nenhuma gratidão
decepção
decepção

(a casa em ordem
nos vendo jantar em silêncio
mesmos lugares na mesa
estátuas em movimento)

assim fomos criados
assim criaremos

(...)

mas há exceção:
lembro que toquei uma vez
a mão de minha avó paralisada
com olhos de pássaro sem asa
e os olhos sorriram
(e já não tinham casa)

07/04/2017

solte seu coração no da musa

solte seu coração no da musa
pétala vagarosa tocando o lago tranquilo

solte seu coração no da musa
tatuagem de verso pra eternizar o instante

solte seu coração no da musa
sutileza suficiente para dançar distraído

solte seu coração no da musa
adivinhando profundidade

porque ela merece
porque você merece

(es)colher e faca

tenho me ocupado de flores
pra não colher o tempo
de plantar amores

06/04/2017

descrição

noite alta de oceanos desertos
ouço o som da secreção estalando na garganta
antes de cada tossida incontrolável

(a testa - sempre quente - dói a cada tossida)

acho que tenho 40 anos e não sei expectorar

mas tô melhorando
a febre constante caiu de 39 para 38 graus no terceiro dia
com variações tão irrelevantes
quanto os cálculos que aprendemos em engenharia elétrica na ufrj

algo em mim matematiza as agonias
para tentar fazê-las tender a menos infinito
sem ir ao médico
(dizem que a poesia salva)

por exemplo
agora temos o paradoxo do paracetamol:
ao persistirem os sintomas ingiro-o
mesmo com 36 graus de febre
mas aí a febre vai a 39
e cai e suo
suo mais do que o elemento água em meu mapa natal

e surge o dilema do sono:
(A) com o ar condicionado ligado, resseca a mucosa e tusso mais, mas melhoram os mosquitos
(B) se me cubro, suo mais e tusso menos, mas os mosquitos ainda me acordam pelo som
(C) se desligo o ar condicionado e me descubro, há duas opções, a seguir:
opção 1 - não ligo o ventilador e os mosquitos me devoram
opção 2 - ligo o ventilador e tusso mais (volte para A)

matematizo hierarquicamente no meio dos sonhos curtos
formas trigonométricas que precisei de professor particular para entender no martins
formas de não contar carneiros para não acordar
e consigo

outro exemplo
se a narina esquerda se fecha
e os dois remédios distintos não funcionam
viro a 90 ou 45 graus para a direita na cama

se fico assim um tempo
melhora
(a narina mais alta destapa e a livre se tapa
na razão inversa do quanto pode ser longa uma noite)

se fico tentando não tossir
tusso

se desisto
durmo

(...)

5 dias a 40 graus de febre e fico tonto
com dor atrás dos olhos e nas articulações

só então vou ao médico:
era pneumonia

- diga 33 (não houve a melhor parte, bandeira)

o rombo em meu peito preenchido por um calombo interno
que dói
eu tusso e não sai
eu cuspo e não sai
arroto e não sai
desisto

radiografia
exame de sangue
tomografia computadorizada
(as atendentes tão mais carinhosas que as médicas apressadas...)

- a garganta tá limpa (mas arde)
- dipirona é melhor que paracetamol (sempre?)

algo aqui sentiu que ia morrer
algo solene e alvéolo
preso ao peso do calombo no plexo

lembrei tanto dela
(meu anexo)
e quis namorar sem medo
pra morrer amando
(na maior beleza de ser tarde, não cedo)

há uma beleza em dor no peito
mesmo do lado errado
tipo drummond caminhando meio curvado
ou um parto em casa

fome já não há, quase
aceito o gosto azedo em tudo
e passo a beber mais limão

fossas nasais congestionadas
governar é abrir espadas

como pra não morrer
e a energia gasta pra digerir
não me permite verbar

então eu deito à direita do antibiótico
ouvindo-me fogos de artifícios e clarins e exércitos e batalhas
no meio da tarde chuvosa
e entupo as narinas da gosma infinita dos brônquios

durmo pouco
durmo os poucos sonhos que a dor permite
cada vez mais curtos
(pensamentos cada vez mais rápidos)
até o limite da loucura com a alucinação
passando por um poema louco
de experimentação

e tudo se torna uma música linda em um filme cult
(e já nem sei se dormi)
sensação de comunhão
comandando e sendo levado
pelo rosto de infinitos rostos do sonho
rostos de nuvens de dragões vermelhos
cavalgadas de valquírias...

tudo tão solene quanto meu calombo

04/04/2017

uns likes para doer menos

que ótima oportunidade para valorizar o simples. não sei o que tenho mas a febre não abaixa além de 38, 39 graus desde ontem. a cabeça dói, as costas doem, respirar dói, se deitar na cama dói, se cobrir dói, se mexer dói, ficar parado dói, a água do banho dói onde toca, os dentes doem... mas pense: quando nos alegramos por fazer isso tudo sem dor?

03/04/2017

renoir

escrever cores
circulares
acarinhando a tela

pincelar a essência
sem adjetivos
nem esperar
a guerra acabar

a beira do centro
a pele
o peito
a flor

tempestade sem métrica
nenhuma réstia de azul no céu
rimas sem foco

a dor passa
a beleza permanece

02/04/2017

liboriando no escuro infinito

espero-te
como um cego fingindo firmeza
segurando com os pés
a delicada taça de cristal
embaixo da mesa
de ponta cabeça

espero-te
considerando a lei da gravidade
sabendo tua fragilidade

mal espero teu futuro nosso chegar
sabendo-me equilibrista cansado
em cima do céu, da palavra, do espaço sideral
em cima do muro
que nem há


*(poema relendo o amigo poeta Luiz Guilherme Libório, sob a influência de uma musa não revelada)

01/04/2017

líquido

é tempo de silêncio
para ver a banda passar
se drogando pra não falar
de política

o preço do petróleo
estranhamente
não aumenta nem diminui o universo
(apenas nossas teorias)

a praia me aceita exato
no meio do caminho
entre a paz e a mulher futuras

ambas futuras e alvas
ambas definitivas
incisivas e salvadoras
até que a morte nos pare

som e sal
rindo do furo
do pneu dos planos retos
da fruta nunca madura

a praia me aceita presente
ainda bolando impuros verbos
autocentrados

(minha pele quer pele
minha pele quer toque
minha pele quer querer)

é tempo de beijo roubado:
sísifo construindo eternamente o muro
pra prender o amor
sobre as ruínas do passado

carruagem e roda da vida

enquanto tento me agarrar
tonto
à quina do círculo
não me desprendo
do hábito circular
de olhar
pra fora