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Escritor, psicanalista e poeta nascido no Rio de Janeiro em 1976. Considerado um dos poetas brasileiros mais representativos da década de 2000 na antologia Roteiro da Poesia Brasileira (Global, 2009), é autor de vários livros publicados gratuitamente em seu blog, cujos melhores poemas foram reunidos em A Magia da Poesia (Papel&Virtual, 2000), Corte (Ibis Libris, 2004), rio raso (Patuá, 2014) e o budismo e o tinder (Multifoco, 2020). Mantém o bem sucedido site “A Magia da Poesia”, que teve mais de um milhão de acessos em 2012, onde divulga a obra de grandes poetas. Seus poemas já foram selecionados para livros escolares, traduzidos para o russo e publicados em diversas revistas literárias.

31/07/2013

sem nem pensar

sorvo um rio
de novos amores
cheio de lágrimas
que não choraremos

ah, o amor, o amor:
quando é, não falo
quando falo, não é
se perco, não calo
(sinto em todo o pé)

me convenço
e perco o rumo
me caminho
e perco a fé

ouço músicas que me piorem

não estou pronto
nunca estarei pronto
nunca estive pronto

mas insisto
insisto pelo alívio breve
difícil
distante:

esquecer
que a cada instante
a noite aperta este plexo cansado

(por isso também escrevo)

assim todos os artistas
bons que conheço
caminham curvados

como se seus ombros côncavos
e suas cabeças inclinadas
pudessem proteger sua falta





o amor mora longe

longo é o tempo sem ela.
longa é a partida dela me partindo ao meio.
ela, que me conhece inteiro.

28/07/2013

a-cor-dando (osama nas alturas)

para onde estamos indo?

trabalho que não inunda
o imundo do mundo

amor que dói
amor que prende

tarô que vicia

papa herói

radiestesia

prozac

insônia

paralisia nervosa
da criatividade concêntrica

borda de alegria:
fantasia
num bolo imenso de merda

CSN cravo e canela

noite de sonho
café da manhã

o passado te acha
em qualquer cidade ou idade

essa janela sem vista
é o prédio da infância otimista:
bege e destroçado

nenhuma árvore
pra pousar minha esperança

*

Gabriela

a cidade com as curvas dela:
volta
redonda
(a acarinhar minha ternura)

ah, o mundo de sutilezas
que perdemos
pelo hábito

aqui
os garçons sorriem

e nós
dois (anormais)
nos percebemos iguais
sob relógios enormes

minha musa
minha música

um abraço
cala o frio
e deságua o rio de dentro

(fotografo na mente seus detalhes)

um abraço simples
no centro da praça
em frente ao casal de velhinhos

*

vi a fábrica de noite
sua fumaça de Blade Runner
operário gigante no meio da cidade que dorme
ao som de um saxofone imaginário

respirei aço em pó no ar
por dois dias
e me fiz de aço de novo

eu que me desmanchava
um polvo sem asa
(U tem cílio de escritórion)

agora
homem de aço
voando pra casa

alana

alana alada e lânguida
sorriso infindo
tenra idade

loira da cor do meu sonho
distribui livros
pela cidade

alana que mora distante
suspeita do crime constante
de ser perfeita

harmonia

amor:
variações
sobre a mesma agonia

montes claros

Para Raquel

vejo do avião
(graças aos céus)
essa aranha translúcida e amarela
sumindo sob o silêncio da noite

sete mulheres pra cada homem
e uma solidão imensurável

saudade da minha mãe
saudade dos chinelos da namorada ao lado da cama
saudade de não ter saudade
de viver em paz e com sono
escrevendo poemas ruins

Imagem: Fabio Rocha

aero_porto

ruiva lendo no aeroporto
alta, linda, óculos
perfeito

começa um poema em meu peito
e me pergunto como posso ser romântico ainda
depois de tanta vida
e de tanto ler Bukowski
e de tanta ferida

mas ela lê sem me ver
e seus olhos afagam as páginas

se eu falasse com ela
o que não consigo escrever
(ou não)
se eu casasse com ela
(ou não)
tudo se apagaria do mesmo jeito
nas páginas da vida

mas meu peito...
ah, mas meu peito...

(as janelas do avião choram)

Imagem: Fabio Rocha

com escalas

quando penso em parar
em descansar
que já tá bom
vou além

voo porque o mundo tem mulheres bonitas
e poesia
e uma coisa toca a outra aqui dentro
de alguma forma inexplicável
e biológica

mulheres lindas
tipo Andressa de vestido
amarelo
e olhos enormes de mel

escrevo
e (m)eu avião ultrapassamos
o teto branco do céu:

nenhum deus.
só azul lar.

Imagem: Fabio Rocha

24/07/2013

vandalizando de leve

chove na cidade
onde se reúnem idólatras
de um velho de branco
num frio filha da puta
atrapalhando o trânsito
e o progresso

de amália para epaminondas

teus chinelos no chão
são mais que poemas vãos

quero só o presente
este presente diário da vida minha
nossos detalhes ínfimos, íntimos
as rotinas de banheiro, quarto e cozinha

quero é essa casa, nosso castelo
construído com convívio de décadas
elos de suavidade

por exemplo, adivinhar meu pensamento
(e eu o seu)
pelo mínimo movimento de uma ruga

meu sossego
sossegando o seu

bordar ternura
com silêncio e cuidado

enquanto lá fora, um mundo gelado
se multiplica em pressa

quero apenas essa comunhão
sem precisar de corpos:
nossas palavras ecoando pelos cômodos
celebrando desde sempre nosso encontro

23/07/2013

kryptonita no inconsciente 37

grito contra a kryptonita
contra o passado
com ira dos que
já se sabem fracasso:

todo voo
(re)quer descanso

(sangro o sangue de jesus
pela boca da noite)

22/07/2013

exercício

mergulho um rio de vidro
fino silêncio
mais e mais fundo

até encontrar água
e prazer

devido a pressões constantes
respirar é leve

elevo-te
no salto

insisto
repito
expando

é possível mais

mais ainda

ainda mais

o voo:
dor vira arte
dor virá arte
ágape
no sorriso dela

vermelho fogo
até a última brasa

12/07/2013

poema prum amigo que odeia poesia

Bukowski lhe diria: é assim mesmo

te mimam
depois você deve ganhar seu dinheirinho
num emprego estúpido

com essa grana
você pode pagar alguém pra curar sua mente fodida pelo sistema
melhorar as dores do seu corpo fodido pelo sistema
e seguir contribuindo prum mundo fodido pelo sistema

cefaléia
gastrite
tendinite
ansiedade
insônia
suores noturnos
fobia social
síndrome do pânico
hérnia de disco
fibromialgia
escritório

nas horas que sobram
a cidade grande desertifica as relações
corta os sorrisos
ocupa os amigos

a cidade grande, os jornais, os jogos do facebook
nos distraem de nós
nos destroem os nós

há corda

se tiver um cérebro, deus é uma piada
tente outra porta

você chega em casa e lava as mãos pra tirar os germes
abre a torneira e massageia vidros
silêncios moídos
gelados sentidos

corta os pelos do nariz - mas eles crescem
corta as unhas dos pés - mas elas crescem
e você sabe que vai morrer
mesmo não querendo

a salvação brilha no encontro com uma mulher
que depois te odiará
ou você a ela
por perceberem que a droga da paixão se esvai com o tempo
e ninguém salva ninguém
da cidade
do mundo
do sistema
da morte

no meio desta merda
cabe achar tempo
para deixar sair de alguma forma
o que o universo quer gritar com a sua voz
em vez de ter filhos

09/07/2013

saturno soturno

estico-me em direção ao impossível
(silêncio no longo prazo)

em quantos beijos finitos
desperdicei minha inocência?

corpos enganam
a todos e
a si próprios

dançamos perdidos
com mãos tensas

(anéis nos anulares)

bocas promentem eternidades
com gosto de pó

mas o meu olhar
o meu olhar se repete:
e nunca te deixa só

07/07/2013

miosan e cio

Para Bukowski

silencio
um deus manufaturado
menor
que meus dedos fechados
menor
que meu medo

enorme

no prédio higiênico
não há ratos pra profanar essa cama

suo tonto no frio
com boca seca
e paz transcendental

relaxante muscular não cura dor
cura falta de sono
e falta de cor

mas o teclado (feminino) me forma
piora a dor
piora o sono
piora a boca
piora o medo
piora deus

melhoro
eu

06/07/2013

despertar

somos maiores que o mar
e nosso modo de amar
represamos
por contratos

do mesmo modo
batemos pontos
e matamos sonhos
engolindo sapos

mas os jovens estão nas ruas
os jovens cantam nas ruas
os jovens gritam nas ruas
e as ruas foram feitas para este ato

03/07/2013

passado - presente - futuro

equilibrista
sobre a fina linha
que separa os tempos

o motorista (descontrolado)
hora vira pra lembranças
hora volta pra esperanças

em silêncio de crepúsculo
por segundos sem mente
surfo no minúsculo
presente

02/07/2013

escafandro

grafite é quase diamante

sou menos poeta
que amante
da poesia do amor

olho os ponteiros sem alvo
do relógio do escritório

o azul
mais que cor

ação de parar
e dor seguir:
semáforo incolor

bússola
querendo me expandir
pra além do medo
da angústia de estar no mesmo lugar

ah, mar imenso
longe daqui

mistério molhado de horizonte

nunca (vi)verei seu todo