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Escritor, psicanalista e poeta nascido no Rio de Janeiro em 1976. Considerado um dos poetas brasileiros mais representativos da década de 2000 na antologia Roteiro da Poesia Brasileira (Global, 2009), é autor de vários livros publicados gratuitamente em seu blog, cujos melhores poemas foram reunidos em A Magia da Poesia (Papel&Virtual, 2000), Corte (Ibis Libris, 2004), rio raso (Patuá, 2014) e o budismo e o tinder (Multifoco, 2020). Mantém o bem sucedido site “A Magia da Poesia”, que teve mais de um milhão de acessos em 2012, onde divulga a obra de grandes poetas. Seus poemas já foram selecionados para livros escolares, traduzidos para o russo e publicados em diversas revistas literárias.

31/05/2013

aracnofobia

o meu afeto
é essa aranha tateando a parede

branco

o meu afeto é manco
sem tato
no corpo

seu contato
com o Outro
atravessa
a palavra

Imagem: Maísa Motta

(Poema inspirado na poesia de Mar Becker.)

30/05/2013

terra de nunca mais

Para Jorge Luis Borges

todo adeus é muito longo
perdura em algum pedaço

segue conosco
cada adeus
com olhos duros
que de quando em vez se esquecem
do que buscavam no mundo

29/05/2013

monges longes

a gripe diminui o ritmo

legião de encapuzados
escondendo
que não tem rosto

o ritmo diminui a gripe

iniciamos leves
depois, pesados

marchamos pelo futuro
mastigando amendoim japonês dourado

preparamos o inverno medonho

o mundo - um deserto gelado

preparamos tanta coisa

pra no fim nos enterrarmos
uns aos outros
lado a lado

vermelho pulso

os amantes dançam
com lâminas nas extremidades dos corpos
por entre fios indizíveis
que sustentam seu palco

saio

vou até lá fora
ao pasto do passado
decepcionar a rosa dada
(espinho que colhi da garganta)

28/05/2013

começo no fim

me perco

os sinos de tua voz
(que me ouve)
não me definem mais

sonares de morcegos escuros
traçam silêncio
em telas vazias

ronco de motores partindo
ruas engarrafadas de pessoas simples
sinais verdes

elefantes, sempre elefantes
dançando
e sorrindo

sem revisão

eu quero a morte e uma torta de cerejas
americana que nunca comi

eu quero a morte e um pacote de cervejas
que não bebo

porque quero ser Bukowski
e apanhar e bater na vida
sem querer ser outra coisa

simples

como bolo de chocolate

o colégio ao lado do prédio me acorda com voz de criança
cantam parabéns e com quem será:
aprendemos desde cedo a envelhecer e a casar

reexperimento
lenta e saborosamente
a palavra liberdade
imposta no céu da boca

com a língua solta
brinco com ela:
estréias e estrelas

27/05/2013

sem dente em gêmeos

Para Rebeca

a mente paga seu salário
ganha troféu e diz puta
todo santo dia
mas quando tenta oprimir o coração
(órgão capaz de te despedaçar)
a noite traz sudorese, medo e ataques de ansiedade

a mente disputa
e perde

*

deus
até quando vou correr
atrás da paz
da casa dos pais?

*

vou fazer 40 anos
lapidando discursos
pra convencer a mim mesmo
a não me atirar na cabeça
e a me atirar de cabeça
onde não quero ir

*

vou, por exemplo, no ônibus
com pessoas normais
calmas
casadas
cansadas
lendo jornais

me parecem mais
perfeitas

estou cansado demais de ser poeta
perneta

eu que só sei
me relacionar
com palavras

*

(pelo medo
do fim
termino)

mas saiba:
se outras foram poemas bonitos
você foi
um livro



casamento no domingo

como uma viagem longa
dolorosamente nova
se revelando mágica
única pessoal intransferível

ah, como eu queria te

contar

contigo

não consigo

sigo
contido
e descontente

vendo o mar
(som sem palavras)
revelando e encobrindo pedras
enquanto o bem-te-vi
pousado num vergalhão
entre a água, o cais e o caos
nada vê além do escombro do beco
e cala o seu vôo

26/05/2013

início, despedida e metamorfose

começam-se
vendo o que não é
e querendo ver mais

aproximam-se
dois anjos
de mãos em paz

tateiam
verbam compreender faltas
inventam compartilhar colos
(almas sem armas
que tecem sutilmente
amarras)

passam-se passos
e crono_logicamente
os sorrisos se tornam devassos
a leveza perde-se em tristeza
ambos enjoam-se
enojam-se

atacam-se gravemente
pelo grão de farelo no carpete

depois
sem saber voar
criam a coragem
para lentamente
cortar
(não acreditando que estão cortando até o tombo)
a longa corda tecida
sonhando a última dor

então
de volta ao chão
restam lembranças boas
(que esqueceremos)
amigos
(que não seremos)
e chinelos pequenos
em apartamentos vazios

terrorismo sonhado

meu sonhar sonha
uma bomba atômica
na morada antiga

indefensável,
cai do helicóptero
no alto da rua
no meio da festa

agarro-me às paredes da casa
de costas pro brilho

espero o som absurdo
aguardo
desesperado
o tremor o terror a radiação
cada célula deixar de ser

acordo
inteiro
então

arroubos de glória num condomínio fechado

na hora exata em que paro
sobre minhas dúvidas
para olhar o nada
no sétimo andar do bloco quatro
com a luz acesa
a janela aberta
duas meninas tiram lentamente
a roupa

conversam
vão na cozinha
somem atrás de paredes

camisas brancas
moletons risonhos
cama vermelha
atrás da cortina de um sonho

tudo exato
sob estrelas extintas

não sei

se me tento
ou se me lanço

se me toco
ou se me canso

na dúvida
(maior que eu)
destes olhos cansados de estréias
deixo a luz de Deus tocar
em seus seios sagrados

25/05/2013

todos os idiotas que conheci tinham certezas absolutas

todos os idiotas que conheci tinham certezas absolutas

adamastor não
adamastor só tinha dúvidas
e pontos de desencontro

eis um caso:
namorava uma pequena
sempre fora de casa

desde que ela percebeu
o limite no lar
entrar
virou meta maior

ela batia na porta
ele não abria

ela chorava pedia batia brigava
ele irreduzia

por anos
amaram-se na metade afiada do medo
imaginando segredos

ela tentava arranhava exigia
ele trancava e repetia cheio de lógica:
"O casamento é a derrota biológica do homem."

ela interfonava
ele não atendia

ela mandava carta
ele não abria

ela esperava na porta
ele saía pela janela

foi quando
sobre uma almofada de luz sólida
como que percebendo a existência intraterrena
e tudo o que ele próprio temia
numa virada filosófica
adamastor amou

(luz sólida)

amou sem agonia
sem pontos de fuga
sem rima
inteiro verbo de ligação

preparou a casa com primavera
perfumou as rosas
aparou os pelos
semeou futuros
escreveu uns versos
destravou janelas

desde então:
na quarta ela não podia
na quinta se complicou
na sexta se atrasou
no sábado
ligou bêbada
e disse que não ia

23/05/2013

exame

meço o plexo
lupa de fora
fora de nexo

foco:
facas navalhas espadas fogueiras
                            dentro do vermelho

raios X
no vazio
do vazio

                          tempestade de chamas

        soco

o peito expulsa
            o medidor
ao ritmo de um tambor

cor:
sangue sem água

há mor?

*

algo por dizer
barba por fazer
não faço nada

*

espelho
espelho

eu?

o fio dental nos dentes
desliza dentre os espaços
de todas estas células mortas e vivas
estes carbonos de estrelas antigas
que nos constituem como Falta

para quê?
para onde?

o céu da boca cala
bio e logicamente

o sapato aperta

e a dúvida vai
com a unha encravada
no sentido
                  da palavra

20/05/2013

balões na capadócia

imagínio intensidades

imensas

(a)puro o olhar:

relógios
perdendo
nossos segundos

seguindo

telas
perdendo
nosso tempo

canto a palavra
que quebre o encanto

compartilhar
além do facebook

arte que arda

19/05/2013

o vampiro do teatro

o que for em vão será pra mim

a música une
e me afasto
impune

nesse outono de nuvens
(quase inferno)
quase inverno
vergamos sob o peso do crepúsculo

um copo de mate
beija a boca do horizonte
extremamente doce

violáceo

violento
o dia
adia dores

e se cobre
com a noite fria

16/05/2013

nuvem

escrevo
sob o mesmo silêncio
de um deus que pintasse
os céus de outono

15/05/2013

crescente um outono noturno

vejo a lua mais triste
beijando o prédio gelado
ensimesmado e em riste

a ruga
faz desenhos
na testa

outros fora farão festa
aqui dentro faço feio
(nos meus olhos passo frio)

meio ouço jazz
mas devia não dever
pra ter a paz de um rio

14/05/2013

da mudança

quero uma casa
sem construí-la

poder tocar-te, frágil,
com dedos de piano
sem perder o tato

saber levar por ti
o peso da vida
em teoria leve

não

que a poesia não seja
uma palavra aliviada,
mãos em vício breve

é tempo de argila:
vida a ser reinventada

quero uma casa:
vou construí-la

13/05/2013

ouroboros em dois braços

a noite grita minha paz
em canto

pássaros pousados
no que houver
olham

o início comendo o fim
com a boca cheia demais
pra ter voz

12/05/2013

11/05/2013

dois

o som de passar
manteiga na torrada
acorda a revoada
(imaginária)
do passado mar

essa capacidade de ouvir
(presente)
carinho no silêncio
e bem-querer no odiar,

essa cumplicidade de doar
sem doer
nem se perder,

há?

*

meu pai
minha mãe
quaisquer casais depois do depois
pergunto:
há ainda Dois?

*

na minha infância
os aviões falavam
tinham rosto

agora
look as faces
sem Vôo
sem ela

não relaxo antes de dormir
e acordo tenso
cuspindo sustenidos ais
pelas janelas sem ouvidos

(mas meus pais
ainda me amam
com aquele olhar)

amodores aumentam
os ombros o corpo o tempo
percorrido na trajetória
de meus passos de dança fugaz:
2 pra frente, 2 pra trás

10/05/2013

quase aos 40 do segundo tempo

esquisito:
sei quando gamo
mas não sou quando amo.

amo
mas não cedo
amo
pelo meio
amo
pelo medo de amar
amo e odeio
amodiar...

isto dito,
a esta altura do campeonato,
cabe aceitar o fato
e fazer um poema bonito.

09/05/2013

ouvindo a música

a vida verdadeira
não tem pra que nem por que

é dança infinda
salamandra na fogueira

krishna khrisna
hare hare

08/05/2013

rocha moída e vento de sonho

meu avô, meu bisavô
minha casa de areia

um faz pro outro um berrante
pro passado que passeia

sigo o rastro do que somos
e a saudade serpenteia

07/05/2013

yin e young

a vida como ela é:
a mulher quer mudar o homem
o homem quer mudar de mulher

ninguém agüenta a dúvida:

os a-dor-a-dores de deus
e os da liberdade
cantam alto
(pra se convencer)
certezas de mármore

05/05/2013

necessidade ávida

eu me jogo na vida
mas a vida
é onde?

04/05/2013

sol

escondido
o não permitido
sobrevive do mito
do fundo
do mundo:
do sim

obscuro
o não permitido
parte vôo sem asa
do muro
futuro:
de mim

absurdo
o não permitido
expulso em palavra
esmurro
extirpo:
en_fim

pão de phôrma




                                                             a forma


                                                      deforma


                                                         o poema




editoras                                      vernáculas
pedem palavras difíceis e formas complexas
                  de professores com vocabulário
                        (e sem um pingo de poesia)

                           prefiro poupar quem lê
                                postando no blog
                                    algo a dizer

arte

a pele apela no embalo:
um fim, um início, um parto...

parte do corpo calo
parte, arde

03/05/2013

intraterrenidade íntima

o extraterrestre cambaleia letras
remorsos, perdas
furacões em caracóis

cava a cova do buraco no céu
com seu olhar de lá
de qualquer dali
salvador de outro lugar
alto e longe e outro

espaço

nave

lucy

onde andarilha lucy?

sonha a dor do parto
(mas não parte)
da perda
(mas não joga)
estranha filas, filhas, pires, horizontes
onde afinal cair
na palavra casa?

02/05/2013

papel para presente

deito no perfeito.
desembrulho com os dentes
o estômago lento

01/05/2013

no fundo do armário

meus diários estão amarelos
de tantos elos
partidos

por todo o dia

investigo a minha noite
a minha maneira, a minha morte
instigo a parte que escreve pro outro ler
e escuto o silêncio