Escritor, psicanalista e poeta nascido no Rio de Janeiro em 1976. Considerado um dos poetas brasileiros mais representativos da década de 2000 na antologia Roteiro da Poesia Brasileira (Global, 2009), é autor de vários livros publicados gratuitamente em seu blog, cujos melhores poemas foram reunidos em A Magia da Poesia (Papel&Virtual, 2000), Corte (Ibis Libris, 2004), rio raso (Patuá, 2014) e o budismo e o tinder (Multifoco, 2020). Mantém o bem sucedido site “A Magia da Poesia”, que teve mais de um milhão de acessos em 2012, onde divulga a obra de grandes poetas. Seus poemas já foram selecionados para livros escolares, traduzidos para o russo e publicados em diversas revistas literárias.
a mente paga seu salário
ganha troféu e diz puta
todo santo dia
mas quando tenta oprimir o coração
(órgão capaz de te despedaçar)
a noite traz sudorese, medo e ataques de ansiedade
a mente disputa
e perde
*
deus
até quando vou correr
atrás da paz
da casa dos pais?
*
vou fazer 40 anos
lapidando discursos
pra convencer a mim mesmo
a não me atirar na cabeça
e a me atirar de cabeça
onde não quero ir
*
vou, por exemplo, no ônibus
com pessoas normais
calmas
casadas
cansadas
lendo jornais
me parecem mais
perfeitas
estou cansado demais de ser poeta
perneta
eu que só sei
me relacionar
com palavras
*
(pelo medo
do fim
termino)
mas saiba:
se outras foram poemas bonitos
você foi
um livro
como uma viagem longa
dolorosamente nova
se revelando mágica
única pessoal intransferível
ah, como eu queria te
contar
contigo
não consigo
sigo
contido
e descontente
vendo o mar
(som sem palavras)
revelando e encobrindo pedras
enquanto o bem-te-vi
pousado num vergalhão
entre a água, o cais e o caos
nada vê além do escombro do beco
e cala o seu vôo
tateiam
verbam compreender faltas
inventam compartilhar colos
(almas sem armas
que tecem sutilmente
amarras)
passam-se passos
e crono_logicamente
os sorrisos se tornam devassos
a leveza perde-se em tristeza
ambos enjoam-se
enojam-se
atacam-se gravemente
pelo grão de farelo no carpete
depois
sem saber voar
criam a coragem
para lentamente
cortar
(não acreditando que estão cortando até o tombo)
a longa corda tecida
sonhando a última dor
então
de volta ao chão
restam lembranças boas
(que esqueceremos)
amigos
(que não seremos)
e chinelos pequenos
em apartamentos vazios
na hora exata em que paro
sobre minhas dúvidas
para olhar o nada
no sétimo andar do bloco quatro
com a luz acesa
a janela aberta
duas meninas tiram lentamente
a roupa
conversam
vão na cozinha
somem atrás de paredes
camisas brancas
moletons risonhos
cama vermelha
atrás da cortina de um sonho
tudo exato
sob estrelas extintas
não sei
se me tento
ou se me lanço
se me toco
ou se me canso
na dúvida
(maior que eu)
destes olhos cansados de estréias
deixo a luz de Deus tocar
em seus seios sagrados
todos os idiotas que conheci tinham certezas absolutas
adamastor não
adamastor só tinha dúvidas
e pontos de desencontro
eis um caso:
namorava uma pequena
sempre fora de casa
desde que ela percebeu
o limite no lar
entrar
virou meta maior
ela batia na porta
ele não abria
ela chorava pedia batia brigava
ele irreduzia
por anos
amaram-se na metade afiada do medo
imaginando segredos
ela tentava arranhava exigia
ele trancava e repetia cheio de lógica:
"O casamento é a derrota biológica do homem."
ela interfonava
ele não atendia
ela mandava carta
ele não abria
ela esperava na porta
ele saía pela janela
foi quando
sobre uma almofada de luz sólida
como que percebendo a existência intraterrena
e tudo o que ele próprio temia
numa virada filosófica
adamastor amou
(luz sólida)
amou sem agonia
sem pontos de fuga
sem rima
inteiro verbo de ligação
preparou a casa com primavera
perfumou as rosas
aparou os pelos
semeou futuros
escreveu uns versos
destravou janelas
desde então:
na quarta ela não podia
na quinta se complicou
na sexta se atrasou
no sábado
ligou bêbada
e disse que não ia
foco:
facas navalhas espadas fogueiras
dentro do vermelho
raios X
no vazio
do vazio
tempestade de chamas
soco
o peito expulsa
o medidor
ao ritmo de um tambor
cor:
sangue sem água
há mor?
*
algo por dizer
barba por fazer
não faço nada
*
espelho
espelho
eu?
o fio dental nos dentes
desliza dentre os espaços
de todas estas células mortas e vivas
estes carbonos de estrelas antigas
que nos constituem como Falta
para quê?
para onde?
o céu da boca cala
bio e logicamente
o sapato aperta
e a dúvida vai
com a unha encravada
no sentido
da palavra