29/09/2016

cavaleiro de copas

estar inteiro em cada palavra

indizível renascer
agradecendo ao sofrimento

"era o melhor que cada um deles podia fazer"

abençoar todos os caminhos
que me trouxeram
exatamente onde deveria estar

todo momento
(inclusive este momento)
absolutamente perfeito

nada a fazer

as letras
se juntam
por si só

o céu acima
o deserto abaixo
a voz maior

que eu

28/09/2016

melhor

um estudo diz que meditação é melhor que tirar férias. outro diz que estudos e meditações nas férias são melhores. outro, que melhores são mulheres. eis tudo.

a pérola (ou trocando carne por soja)

colecionamos oportunidades de ouro
para um futuro que nunca chega

não se percebe um terremoto
no oceano

a soma das dores
não vale a soma dos prazeres

maçanetas à parte

fotografamos
os caminhos repetidos

filmamos os shows
que pagamos para não ver

perdemos silêncios com palavras e
o som de tráfego e dentes

helicópteros e beija-flores

em cada esquina, um mestre
um doutor
uma terapeuta
um especialista
e muitas certezas ditas

vestidas

políticos sorriem
cartas brancas
baralho cigano

os prédios apontam

o céu é uma música azul
que ninguém olha
mas vê tudo

nuvens passarão

a vida resiste

você corta videogames, carnes, excessos e sexo
você senta em silêncio sem perder tempo

e
de repente
a vida brota
apesar dos cortes

você levanta, canta
vira cambalhota:
a vida não se importa

somos cães
tentando
sem sucesso
morder uma bola amarela
numa piscina azul

e qualquer coisa que façamos
(ou não)
não altera
nossa condição

meu celular vibra no sofá
mas não olho

é bom que

falta espaço nesta postagem onde cabem caracteres infinitos para eu escrever todas as minhas dores

solução aquosa (verbo deligação)

as pessoas sem noção
são uma multidão crescente

lua sem rua
espaço sem passos
sem casa
desalento de um pássaro lento
sem asa

você empresta um gibi
volta rasgado
você empresta um livro
volta rasurado
você empresta um sorriso
volta magoado

você não empresta nada
e passa a dor
quando passa a doar

cego

você tenta um bilhão de vezes o melhor desejo
e quando consegue o milagre
acaba

era tão seu seu seu seu
mas finda
e arde

e você segue
desprezando a vida linda
atrás do milagre no beijo

tanto tempo gasto
onde deveria todo homem
trabalhar na sua fome

você segue, José
para onde?

27/09/2016

pré-sol

cinco e meia
usar o hábito a meu favor

descontrolar manhãs pelo silêncio
enredo os fios da teia cristalina
espalhadas por mil navalhas de pensamentos vãos

ouvir a sabedoria da respiração
o corpo finalmente se acomodar
no chão

tudo brilha
nada é

26/09/2016

noite cheia de fantasmas

as pessoas do século passado
ainda fazem currículos
participam de concursos literários
dizem que vestem a camisa da empresa
pensando nelas mesmas
e seu nome na história:
"PESSOA DO SÉCULO PASSADO"

as pessoas do século passado
esperam o amor chegar ouvindo roberto carlos
e têm fé
(amar é...)

as pessoas do século passado
usam a arte como desculpa para sua insônia
uma arte que não muda ninguém
porque as pessoas do século passado
desabafam, escrevem, pintam, cantam, fotografam, produzem...
mas não mudam

(igual a seus pais
e os pais deles
e os pais deles
e os pais deles
e o país deles)

25/09/2016

o celular, esta maravilha

tivemos uma fase de nos maravilhar com as mensagens de voz do whatsapp e parar de fazer ligações. mas agora, com a mente de um macaco louco, ansiosa e dispersa, esquecemos de responder, perdemos conversas pelo meio, falamos com dez pessoas ao mesmo tempo, não ouvimos tudo o que se falou... então as pessoas estão voltando a se ligar, para que as perguntas tenham respostas e seja possível um diálogo. estava pensando nisso e recebi um vídeo de uma amiga mostrando que estamos cada vez mais com problemas na cervical por ficar muito tempo olhando pra baixo, pras telas dos celulares. quando começam as dores, precisamos de exercícios para reaprender a olhar pra frente. olhar pro céu é um sonho distante.

24/09/2016

mas à noite, quando o resto da cidade dormia, ele escrevia

porque a chuva se segura nas nuvens até o momento em que não dá mais. e nada vale o peso de um filme assustador no meio de um dia de amor. ele agora podia escrever a palavra: amor. amor. amor. como uma chuva que cai naturalmente. não como uma imaginação em que se crê, um esforço a ser mantido até virar lágrima. não como o centro de uma existência autocentrada. amor como a chuva. por todos. para todos. (até mesmo pra ela.)

18/09/2016

até quando netuno?

não é possível
ser tão inábil
com minha grande bolha celeste
(meteoro de ilusão)

quanto tempo falta
entre o que sei ser sábio
e o que sinto em brumas?

quanto cansaço acumulado
de seguir o sol errado
pro mesmo lado
do abismo

já é hora
de honrar
meus arranhões

17/09/2016

dança a dois: dueto doendo em desaposta

chegou um tempo sem criança
em que mentir ter saudade
é cobrança

sorte de lugar

não tirar os cavalos de cristal do lugar
(em móveis lustrados, imóveis)
apagar as luzes ao sair dos cômodos
ouvir TV com volume baixo
culpa forte por comer comida
por sentar na mesa
por respirar

troco de lugar

durmo com o prato sujo na sala
a luz ligada na cozinha
a TV alta, a casa suja
a roupa largada no banheiro
comendo o que não alimenta
bebendo mate sem morte

surpreendentemente sem morte

ela mora longe (cantar perde pro perceber)

hoje eu descobri que um ônibus lotado
a cada estação
tem a vantagem enorme
de não poder piorar

meus cumprimentos
aos engenheiros ricos
do prefeito ladrão
(ou não)

mas o poema mesmo
era perceber que há uma certa beleza
em comer amendoim na noite de sexta
sabendo que o sábado vai chegar de qualquer forma

e que há música real com ela no mundo
que eu descubro aos poucos
e apesar de toda a moda da pressa, do meu, do eu e outras celas
vemos um ao outro

e cansar perde pro tentar

16/09/2016

cano dentre de cano dentro de plano dente de rima

planejo a vida pela janela
e ela entra pela porta

o cheiro de mofo
do meu ar condicionado
me arde a aorta

é assim mesmo
tipo ir nadar
e morrer afogado

meu plano
é não ter planos

a vida vem
nos enganos

12/09/2016

paixões em câmera lenta

minhas paixões já sabem
que não têm pra onde ir

eu ainda não

quando meu corpo não some
em silêncio e sumo de pele
e de eu e do tempo

eu ainda insisto em encontros
entre o bocejo, o ódio e o óbvio

eu ainda incesto
entre a compaixão
a depressão e o tédio

eu ainda inseto
entre a parede de sangue
a pele, o beijo e o coito

eu ainda indelével
indeletável
insistente escrevendo de mim

(sem fim)

09/09/2016

parênteses (só por hoje)

Somos curadores. Temos que mergulhar no nosso lodo, nosso vício, nossa doença. Encarar o que temos de pior para iniciar o caminho de cura (da dependência de coisas externas) e assim poder ajudar outros a se curarem também. Fora dessa energia de cura, dessa perspectiva de cura, sem saída, há o mundo, tudo igualzinho como sempre foi, doendo e se repetindo como variações sobre o mesmo problema (a dependência de coisas externas).

já nela

a sociedade busca saciedade
em pílulas, bebidas, amores, comidas, produtos, sexo...

infinitas palavras com nexo
por onde, brutos, perdemos
o infinito

08/09/2016

luto

tenho uma legião de ancestrais a pacificar
homens mansos
mulheres ferozes

algozes de meu estado de (lut)ar:
espadas ansiosas, dentes trincados, punhos cerrados
minha base sem descanso

06/09/2016

avidya (cegueira)

gosto - não gosto
gosto - não gosto
gosto - não gosto

eu - meu
eu - meu
eu - meu

os outros?
os outros dão like em minhas fotos
os outros compartilham minhas postagens

(os outros me reforçam)

minha poesia
minha dor
meus pais

control+c - control+v
control+c - control+v
control+c - control+v

seguindo minhas urgências
seguindo minhas responsividades
seguindo minhas predisposições

construindo minha segurança
construindo meus castelos
construindo minha estabilidade

(que vai ruir)

02/09/2016

Sobre priorizar um governo pros pobres sem fazer voto de pobreza

A cegueira dos coxinhas é inacreditável: você tem que ser pobre pra defender o lado dos pobres, artista tem que receber dinheiro do PT se defende as conquistas sociais que estão já sendo exterminadas...
Não enxergam a possibilidade de compaixão, de você ser privilegiado mas priorizar o governo em benefício dos menos privilegiados (sem ter que doar todo o seu dinheiro e fazer voto de pobreza), dos artistas estarem usando seu público para tentar conscientizar, ampliar os olhares (fora do discurso da Globosta que todo coxinha tanto repete, apontando Dilma e PT como o único problema do país, esquecendo que no ranking da corrupção o PT nem está em primeiro lugar).
É uma incapacidade de acreditar que alguém possa pensar no bem maior, no coletivo, fora do seu autocentramento.
O pior é que ainda se acham no direito de vir tomar satisfação com você publicamente no Facebook, entre uma viagem a Disney e outra. Domingo, missa (sem prestar muita atenção na mensagem de Jesus).
P.S.: Historicamente, em épocas de crise econômica, as pessoas tendem a embarcar em discursos de ódio muito facilmente se alguém APONTA UM CULPADO. Acreditam apressadamente e o que se segue é um desastre. Vejam Hitler, Trump etc.
P.S.2: Outro exercício interessante é notar como manter uma posição menos radical é difícil. Eu acho que Dilma fez muita besteira: promessas não cumpridas, Belo Monte, Copa, Olimpíada, alianças com partidos absurdos, repressão muito dura a manifestações etc. Só que me parece claríssimo o golpe contra a Constituição, nosso direito de votar e escolher nosso presidente, independente das besteiras que ele faz (se não forem crimes de responsabilidade fiscal). Mas vejo também as conquistas sociais em relação a analfabetismo, saúde, fome, distribuição de renda etc. Essas estão ameaçadas com o golpe, junto com direitos básicos dos trabalhadores e a lava-jato.

presente (no dia e nos dias)

por mais que tenhamos sobrado
fora da casa destruída em fogo e mágoa
(dois gatos escaldados em cacos)

por mais que eu já nem saiba
se teus olhos-sorrisos tocam estas linhas
adivinho do fundo de minha água
que estas palavras calorosas caibam

deixo de presente a certeza calma:
ainda estás presente
sempre estarás presente

e no meio do caos afiado
da nossa confusão de calor e lâminas
arranhados saibamos:
ambos amamos - ambos fomos amados