27/02/2014

folia

(Para M.)

obrigado, configurações caóticas imprevisíveis e incontroláveis
por mais um carnaval aquecido dentro da paz a dois

sem músicas altas ou bêbados baixos

sem frio no calor da multidão

Imagem: “Sunset, West Twenty – Third Street” – John Sloan

26/02/2014

rosa real e lírica

(Para M.)

o possível é perto
vermelho dentro
antideserto

dança quente
a palavra
parasempre

- tudo bem?
- tudo bom.

(sua mão)

tudo
bom

respiro lento
pra não voar
(e voo no centro do chão)

Imagem: “sem nome” – Lorenzo Mattotti

os homens com medo

(Para M.)

dei uma rosa pra ela
no meio da nossa primavera

os homens com medo
recomendaram pedras
pra me proteger

então abri ainda mais o vermelho
e fomos morar um no outro

Imagem: “Freedom” – Ilya Repin

24/02/2014

a borboleta

Para M.

foi quando descobriu que havia ar
em cima da água
que lhe pesava pulmões

novos olhos
mesmos cômodos
menos incômodos

eis agora a bênção
de respirar sem guerra

ela ao lado
me ensinando a ensinar

ela ao lado
bem do lado de dentro

ela ao lado
melado de doce

ela ao lado
música, amor leve

ela ao quadrado
(que se curva)

ela ao lado, meço:
uma estátua de carne e arte
começando a parte de viver
enquanto recomeço

Imagem: “Sunset in Mid Ocean” – Thomas Moran

16/02/2014

salvo-me da salvação

(Para M.)

monto a minha paz
dissolvendo-me ao chão
com passos de silêncio e agora
sem cavalos loucos, sem paixões de fora

Imagem: “His Last Dream” – Julio Larraz

13/02/2014

samadhi

(Para M.)

o presente interrompe planos curtos
deixo e desço e deito
na paz de um sol curvo

Imagem: “Sunset” – Felix Vallotton

12/02/2014

o mesmo quarto

(Para M.)

o quarto vazio
se você não vem
é escuro e frio
(o peito, uma prisão)

o quarto vazio
se há a chance de você vir
é meditação

Imagem: “Le Pont- Neuf la nuit” – Albert Marquet

santíssima trindade

santo é quem mete a mão nas chamas do inferno
com a coragem de construir o novo
depois de desabado tanto antigo

o santo vai de mão dada com o louco
pra cada vez mais perto do perigo
soprando asas contra o certo

Imagem: “Snow Storm” – Turner

11/02/2014

funcionalismo

tem algo podre
no ar condicionado
há dias

a seção de vistoria desconfia de morcegos mortos
a seção da mesma voz (SEMV) reclama
a seção da tarde repete a_manhã
a direção resolveu trocar por meio de portaria a sigla da portaria

e continua fedendo

sonho 1.654

vou saindo
lentamente
das cinco pontas
de minha estrela

de minha cruz

descendo
vagaroso
da noite alta

amanhã
sendo
luz

Imagem: “Twilight in the Wilderness” – Frederic Church

09/02/2014

irrasgável irascível

escrevo o poema correndo
pauso o filme
entre o almoço e o celular
desligo o celular
as cuecas caindo
antecipo o fim do almoço

escapo
(cinco amores nas escápulas)

é como uma água cheia de fotos
fotos que se foram e esqueci

todos os meus ancestrais
que me fizeram estar aqui
e não sei se agradeço ou morro

corro da outra água revolta de pratos
os pratos dos armários excessivos
do apartamento de meus pais
vazio

água rodando
torvelinho do filme
de que corro
(ela)

as fotos são importantes
porque você lembra delas
mesmo quando consegue deixar se afogar
todo o resto

agora vejo letras num caldeirão
e um mar sem fim de livros
fechados

eu lembro
por exemplo
da foto do seu rosto lindo
que eu tirei logo depois
do nosso primeiro beijo

já apaguei todas
já não há nem a lembrança dos beijos
não é lindo o seu rosto que me assusta ainda
de quando em vez, em noites de uivos
ou em filmes românticos

apaguei tudo
mas eu lembro daquela foto

não tendo mais nada
guardo a lembrança amarelada
na casa laranja de Adélia
como uma dor
eternamente anoitecendo

Imagem: Desenho de Fabio Rocha


08/02/2014

sístole e diástole

me construo e me desfaço
publicamente em letras
de funcionário público

(respiro silencioso)

em volta, sem casca
o ovo do mundo
duro
dura

(arfo sonoro)

dentro, com muro
afasto desertos
a nado

07/02/2014

LP

vi a capa de um disco antigo
na casa da minha vó
e nunca mais esqueci:
porque doeu

era um cara de peito aberto
costelas arrebentadas por asas
saindo um pássaro que cantava mudo:
era eu

eu sou o furo no barco de minha própria fraude

cansado de varrer o coração pra baixo do tapete
eu sou o furo no barco de minha própria fraude:
tenho saudades do amor feinho
de prender e ser preso
de viver brigando
de ir ao mercado reclamando
de voltar pra casa pelo mesmo caminho
de ver filme ruim e achar ruim a vida com o outro
da mesma rotina da mesma rotina da mesma rotina
dos finais de semana nas mesmas esquinas
do corpo não perfeito
do sentimento não perfeito
da mente não perfeita
do sexo não perfeito
feito jarro mais bonito espatifado

emergência

apressem as paixões!
abram alas!
quebrem relógios!

estão contaminadas por distâncias
minhas paixões
e por lógica

elas - e apenas elas
podem me salvar

a sua tinta linda
cor de alvorada
já desbota

por favor
tenho pressa pressa pressa pressa pressa

peço:
abram os sinais
quebrem as pedras
dancem as árvores
pra que as minhas paixões venham voando
pra dentro do possível

06/02/2014

sério

a importância de ir atrás de seus sonhos
perseguir seu objetivos
celebrar
deixar tudo fluir e se mover junto
no ritmo da vida

cansa

autopoiesis

Para Ana Thomaz

a perna direita é biológica
a esquerda, cultural

a vida manca corpos nossos
corpos segmentados por relógios e áreas de conhecimento
enquanto seguimos inconscientes de sermos inteiros
criando linguagens ininteligíveis de grupos menores
e superiores impotentes precisando de poder

seguimos denominando emoções estagnadas, respostas prontas
ressentimentos antigos enquanto tudo flui
mas apesar dessa cultura patriarcal redutora
nos sabemos no outro

(o corpo enquanto corpo possibilita a emoção
emoção que move as duas pernas
para além do múltiplo, para perto)

e tropeçamos realidades criadas
únicas, pessoais, intransferíveis
criamos a nós mesmos
enquanto a natureza nos sorri
seu equilíbrio
sua unidade

05/02/2014

a colher do Matrix

escrever não é escolha:
o mundo nos encolhe
em vez de acolher

grapete

novela não é arte, odete:
arte arde
novela repete

03/02/2014

tc

Para Aline

minha musa é um pássaro de letras
num quadro de amores tortos
e duros

todos os chats de amor são ridículos

mas rimos juntos, rimos muito
suspirando tristezas
e futuros

a grande beleza

procurar a grande beleza
ou o grande amor:
caminho sem fim

mesmo assim
flor por onde for