31/12/2014

renascimento

você vai achar que é mentira
mas às 16:49 do dia 31 de dezembro de 2014
enquanto meu coração cansado mastigava bananada
vendo woody allen antes de meditar
brotou um besouro no meio da minha sala
no nono andar do prédio
ar condicionado
todas as janelas fechadas

um besouro preto nada simbólico
barulhento
enorme
daqueles que minha avó temia

saltei e abri as persianas metálicas
depois as artificiais janelas de vidro
e ele conseguiu sair
com algum sofrimento

(que nem cada poema que nasce)

um novo tempo

a alvorada pinta de nuvens rosadas a tela do ar
mas a menina vai cabisbaixa:
brilha a tela do celular

30/12/2014

polissílaba

catar pedaços do que se perdeu no tempo
areia foto sentimento

deixar buracos lado a lado
telas e teias tapando
uma mulher que se penteia

descobrir de quando em vez
o roteiro de partes de alguém ninguém:
um perfume perdido
um vislumbre antigo
um toque amigo

ratoeiro a mim mesmo molhado de tempo:
um frasco de fracos instantes
perante a grandeza da falta
polissílaba

29/12/2014

planos cadeados de mudar adiados

ouço sons no vácuo

um braço se estende
fora de um caramujo
apenas pra pedir
que se afastem

(sonhos atropelando sonhos. amor distante. horizonte.)

enquanto isso
sem chorar
dentro do cômodo fechado
o ar condicionado movido a índios alagados
ronrona um incômodo
e jogo no lixo não reciclado pela prefeitura
outra fruta mordida vinda de longe
que irá pra longe (gastando petróleo, produzindo CO2)
para virar chorume

26/12/2014

férias

passado o natal
deixo a manhã passar ao sol
sem apressar ou distrair os retalhos do azul

detalho: árvores balançam na brisa
na rua mesma, tão outra
tão em paz

pastam ar
uns urubus no alto
enquanto deixo passar o asfalto do trabalho

sinto o fruto do silêncio:
palavras escritas esperando folhas brancas
(pesam)

adio amadurecer
enquanto musas adiam meus sonhos românticos seus
(rezo)

vejo sem agarrar os futuros possíveis
e lembro o espaço que havia no passado
o mesmo espaço que ainda há
que sempre haverá

com mãos leves
adio tudo
(até deus)

e nesse espaço breve sem sons
fora o cheiro do bronzeador
fora o vulto da menina na piscina
fora reflexos e reflexões ondas afora

suo e sou
agora



23/12/2014

meditação de natal

não se afogar
no oceano de Djavan
(longe de ti tudo parou)

caminho cidades cinzas verticais velhas
onde pessoas brotam nos muros
separando recursos:
grafites que arranham o som dos motores com pressa
de trazer o progresso e levar o sentido

somos mais do que pensamos sobre nós
somos mais até do que o brotar do novo nos muros velhos

ah, o eterno jogo de tudo surgindo a cada segundo do nada
agora
agora
agora...

não sou nada, Pessoa
não posso querer ser nada

caminho mais então 
pra não me afogar
no menos
(o chacra laranja doendo a lombar )

18/12/2014

ho ho ho

*

toda vez

no fim do ano
me vem essa pressa
de chegar não sei onde

me transformo em p-r-e-s-a
querendo mastigar não sei o quê

17/12/2014

confesso que voltei (um poema concentrado)

"olhar de forma mais leve
as flores e rimas"

aham
anotado
em cada enzima
porém
caninos

(porém
meus dentes brancos todos
doendo e se abrindo
até que voz)

a mulher quer casar
o homem quer filho
a mulher quer lantejoulas e os maiores cargos
o homem quer o supercílio do chato
ad infinitum

a mulher separa
o filho vira empecilho
o homem dispara na perda
fale a firma
falha a faca
ad infinitum

todos atrás da vitória
duas, três voltas atrás
infinitas vidas atrás
retardatários...

os homens disparam
nas próprias pernas

o anjo

o anjo loiro (agora escarlate)
mantém o sol como face

seu olhar longo
me vulcaniza
(explosão nuclear, paralisia quântica)

seus cabelos
mudam de cor
seus trejeitos
sei de cor

é perda de tempo tentar
qualquer coisa fora de um poema

o anjo tem a expressão
(e o corpo abissal)
que te fazem instante
e estátua de sal

é natural
que voe distante...

mas abismado e celeste
sorrio sozinho
sem nem tentar mostrar as asas
aos cegos do caminho

09/12/2014

samsara: retrato

equilibrando pratos
depois de pratos
depois de pratos

pratos caem
pratos surgem
pratos novos brilham nossos olhos e os queremos
redondos
pratos velhos nos enjoam e os largamos
redondos

seguiremos assim
circulares
vida após vida
(sem vida)
até quando?

08/12/2014

luar kolynos

o poeta é o para-raios da loucura
(hastes flexíveis e diversas cores)

em noites vastas
pasta o silêncio da lua
com dentes moles
(entrega grátis de suas dores)

mas sorrimos às balsas
de boca redonda
com os caninos
(tentando vender felicidade - falsa)

na beira do campo

a garça parada estatua

do verbo estatuar:
atuar como estátua

(até tatuar o peixe de branco)