30/01/2014

decisão

todos os pontos cardeais
me expurgam
para onde deveria ir

as flechas
me espetam
janelas
de espera
enquanto olhos me olham redondos

o relógio
dá voltas
sem sair
do lugar:
sem marcar uma meta

sem sair
do quadrado
entre quatro
paredes
sob o teto quente
sobre o chão gelado
cato um meio
de não escolher uma reta

29/01/2014

mate

sobre o quintal que crio
passa um rio

mas passa tarde

e a vida que era doce
agora arde

28/01/2014

relatório de viagem: escritório

sempre confundo falópio com eustáquio
mas importa mesmo é o abraço

não obstante, ilustríssimo
a base da cadeira é de aço

quando durmo mal dói a coluna
quando durmo bem dói a coluna
quando nem durmo dói a coluna também

as luminárias seguem caladas
apenas observando
e esperando a hora certa

enquanto isso
atenciosamente
sem mais
fico

27/01/2014

e vento

quando chove tempestade
meu cansaço de existir dorme um pouco
e invento longamente a paz

25/01/2014

medita

a estrada me caminha

vou torto
desvou

voo e caio
Caio e vou

terra batida de limão
sem sumo
sentido
sentindo tanto tudo
tanto tanto
que canto em vidro

vou e cai o
encanto

exceto
se
paro:

a saída
tão clara desde sempre:
não ir

eu tu nós

o amor padrão é sempre esta merda:
você pensa e tensa
você mede e perde

24/01/2014

anti-paixão

tantas aventuras vividas
pra contar pros netos
pra contar pros livros
e uma preguiça danada
de viver por isso

vontade simples
da paz de haver alguém em casa
só pra tirar os sapatos
e rir da vida besta

21/01/2014

antiadministrativo

sacrificar o presente
pelo futuro certo:
envelhecimento, doença e morte

20/01/2014

círculo perfeito no peito

Para Anna

quantas dores cabem
num poema de amor?

tempus fugit

talvez eu seja
só mais um careta e covarde

ou só quando da Paixão
tentando transformar tédio em melodia
bebendo poesia - tesão veneno antimonotonia
meu medo aumente abaixo do papel
porque dentro de todo lençol
tem uma máscara de água

talvez não

talvez o distante apenas
brilhe horizontes assim

ou tonto
eu siga tentando dançar
sem ter pernas
na véspera de ir bater ponto

foto: Fabio Rocha

16/01/2014

estranhamento lírico livre poliamoroso

o poema vou

vou pro norte de trem
pro oeste de carro
pro sul de avião

voo pro alto, superman

sem cair
sem sair de mim
e sem mentir pra ninguém

15/01/2014

complicaciones

Para Olga

agora me (en)canto sem música
porque cantamos juntos sem ensaio e sem jeito
e foi perfeito

lança

Para Olga

as e se teu beijo
silencia todos os andaimes?

quando e como reconstruir
meus pedaços
se o aço de tua boca que morde
e sopra e dança
ainda balança
esse coração perfurado?

13/01/2014

deitada

Para Olga

o indizível me olha nos olhos
longamente

sonho de novo
oceanos de sentir
e de sentido

um corpo
e um rosto de estátua

um medo
e uma vontade:
para sempre

las brumas de Lima

Para Olga

mis hombros fueron hechos
para recibir tu cabeza

como el mar helado del pacifico
recibe gaviotas

y las olas
que se mueven por todo el planeta
sin desprenderse del agua

09/01/2014

me acalmo:

conto as musas
antes de dormir
no céu de minha boca



feminino, plural

como se o fruto da resposta
estivesse desde sempre
no fundo do ventre das árvores

as árvores:
feminino, plural

garantia

televisores não quebram
para que possamos ver e querer
Comprar coisas que quebram

06/01/2014

poliamor em decassílabos

queria deixar mas tenho ciúme
queria casar mas tenho desejos
então silencio lumes e gumes
pela profundidade de teu beijo

02/01/2014

caio feliz nas melhores tentações

(Para Olga, que me fez conhecer Lima)

estava cansado de ser homem
até me perder em teu toque

não sei como chegaste
nem a história de onde vieste
(e eu nem sabia que te esperava)

mas vieste
com esse jeito forte
com esses olhos móveis
com esse corpo esculpido em carne

a palavra delícia
dança no céu sem estrelas
onde meus dedos buscam

esse corpo de estátua que toco
treme
(as cavernas do teu corpo)
me chama e me puxa
pequeno, visceral e quente
num frenesi de vulcão invertido
e, pulsando, também me ascende
úmido e liso como deveria ser deus

nossas línguas
não se entendem tão bem
quanto nossas línguas

com tua boca na minha
aprendo:
corpos se compreendem
sem palavras
sem limites

mar de infinitas possibilidades
dentro do beijo mais longo:
criação gradual de pacífico e atlântico

beija-me, então
que estamos todos
longe de casa

beija-me
que nem penso
nem falo palavras
dentro da tua boca múltipla

beija-me
e assim descanso
pois no teu beijo
quase morro
de tanta vida