perto da meia-noite
vendo o final do último tango em paris
reconheço estarmos todos perdidos
nesta merda de drama
e chego a preferir mentiras rápidas da puta
do que respostas demoradas da santa
lembro de minhas próprias mãos quase esganando um pescoço
brigas na porta da casa
malas atiradas no corredor
uma maldita novela mexicana
lembro do choro do lado de fora
da porta trancada
e de como eu deveria ter aberto o peito
pra pantera
lembro de outro grande encontro
de um beijo que era tango
e de tudo jogado no lixo
por raiva, medo e hábito
eu já estive em tantos lugares
em tantos papéis
que consigo agora
não me mover nem falar por horas
(talvez apenas isso importe)
tudo requer tempo
mas tenho pressa
e percebo que a direção de toda pressa
é a morte
todo nome é um tiro
e não há quem não seja maluco
o tempo é o caminho
da bela vista
à farpa no olho
o sonho realizado
jorra sangue encolhido
no canto da varanda
depois de cuspir escondido o chiclete
tenho dentes demais
pras palavras certas
- Fabio Rocha
- Escritor, psicanalista e poeta nascido no Rio de Janeiro em 1976. Considerado um dos poetas brasileiros mais representativos da década de 2000 na antologia Roteiro da Poesia Brasileira (Global, 2009), é autor de vários livros publicados gratuitamente em seu blog, cujos melhores poemas foram reunidos em A Magia da Poesia (Papel&Virtual, 2000), Corte (Ibis Libris, 2004), rio raso (Patuá, 2014) e o budismo e o tinder (Multifoco, 2020). Mantém o bem sucedido site “A Magia da Poesia”, que teve mais de um milhão de acessos em 2012, onde divulga a obra de grandes poetas. Seus poemas já foram selecionados para livros escolares, traduzidos para o russo e publicados em diversas revistas literárias.
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