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Escritor, psicanalista e poeta nascido no Rio de Janeiro em 1976. Considerado um dos poetas brasileiros mais representativos da década de 2000 na antologia Roteiro da Poesia Brasileira (Global, 2009), é autor de vários livros publicados gratuitamente em seu blog, cujos melhores poemas foram reunidos em A Magia da Poesia (Papel&Virtual, 2000), Corte (Ibis Libris, 2004), rio raso (Patuá, 2014) e o budismo e o tinder (Multifoco, 2020). Mantém o bem sucedido site “A Magia da Poesia”, que teve mais de um milhão de acessos em 2012, onde divulga a obra de grandes poetas. Seus poemas já foram selecionados para livros escolares, traduzidos para o russo e publicados em diversas revistas literárias.

30/09/2013

zazen

não imitar o pássaro zangado
brigando contra sua própria imagem
no vidro do carro parado

sem reclamar

objetos mortos
em gavetas de poemas tortos
tranco sem digitar

espanto mansamente
sujeitos muito futuros
e mosquitos

sento na varanda
pra não esperar

imagem: Anthropomorphic Cabinet -1936 - Salvador Dali

26/09/2013

incisivo

às vezes é preciso
não uma nova página
mas um novo livro

25/09/2013

orgulho tempestades

meu sonho é sempre o mesmo

cansei
de dar voltas
no copo metade vazio:

mergulho

24/09/2013

sem nunca mais soltar

quando paro
lentamente
me enraízo
na tristeza

mas me arranco
(ficam partes)

corro por bocas e artes
e quando parece impossível
salto alto
até voar a minha infância

(tão raros
meu sorrisos
verdadeiros...)

abraçado ao teu ar
não há ânsia
de sair

não há mundo abaixo
o peito em pedaços relaxa sem cobranças
e as ruas, os sons, as noites
passam

a vontade total de minha mão
é fixar-se à tua pele
profundo e pra sempre

23/09/2013

tanta gente ferida se ferindo

o casal caminha ao sol.

ela:
- você quer é mulher novinha, pele toda esticadinha, corpinho malhado.

ele:
- não é isso o que busco.

ela não parece crer.
ele parece saber o que dizer.
e seguem juntos, no mesmo passo...

olho o mundo mesmo em toda direção.
vou mudo mesmo.
(eu mesmo, mudo?)

21/09/2013

ouvindo lenine

as lavadeiras no rio
lavando a roupa branca
cantando a cobra que vem do fundo

as lavadeiras
de pé na pedra
olhando a cobra
movem o mundo

aprendes a certa hora

o amor é como o agora:
não há nada
fora

OBS.: Uma das inspirações, trecho de Fernando Pessoa:

Segue o teu destino,
Rega as tuas plantas,
Ama as tuas rosas.
O resto é a sombra
De árvores alheias.

20/09/2013

recomeço

me deito ao lado do rio
passaram as nuvens de asfalto

a paz
é uma borboleta
que eu (e apenas eu) assobio

os mesmos

ela não superou o ciúme
eu não superei a raiva
(mas nota-se alguma melhora)

ela não me superou
eu não a superei
(mas vamos embora)

palavras de efeito à parte
seguimos os mesmos defeitos
(mas fizemos o melhor que podíamos)

19/09/2013

alegria

hoje tenho alergia a poesia
mas tento manter a sanidade
a cada tecla fria

- bom dia
- bom dia

cá dentro, uma ave morre
e nenhuma palavra me socorre

fui no RH adiantar férias:
não pode de forma alguma

na mesa da menina tinham fotos
na minha, nenhuma

18/09/2013

teoria psicanalítica da libido

Para Talita

em horas distraídas
(atos falhos, sonhos lúcidos)
lembro de teus beijos longos
psicóloga

inesperadamente
vagarosamente
essa mente
aceita a cura

15/09/2013

rock

uma prancha no ar
voando pra fora do mesmo

casas planetas estrelas
tudo é menor
que a estrada enorme

uma canção devora o seu nome
e minha paz dorme

infinito crepuscular

restou o vapor de seus cabelos
negros
nos cantos da lembrança

na casa toda branca
não há mais nenhum deles
formando curvas, retas, vogais

o lume do dia se esvai
e não sei se é melhor ou pior
não lembrar mais do seu perfume

tabacaria revisitada

"escravos cardíacos das estrelas"
a nossos peitos não basta nem o céu
nem a altura dos astros satisfaz nossos ouvidos

somos ganância e dentes
quereres vontades misérias
distantes, muito distantes

mas o dono da tabacaria sorriu

e a fumaça do poema
pouco a pouco preencheu o vazio

a falta da pantera

acordo no meio da noite
o meio da corda partido
agora me prende ao teu norte:
a morte sonha comigo

14/09/2013

berimbau

falar de voo é fácil:
sair de dentro de si
é o primeiro passo

entressafra

será preciso o precipício
a pressa do passo pra cima
a longa dor do tombo?

será precária
a paz dos vales
o calor sem chama?

- sentir é impreciso



deserto e pó

o caminho de asa
é a volta pra casa
não o voo pro nada

mas seus pés no chão com espinhos
são mais fortes que a minha canção:

você venta a estrada

e não há nada (sem estrada)
que nenhum herói possa crescer

não há nada a fazer
exceto eu desistir da sede
e você, aí, calada, ler

12/09/2013

cuidado

a mulher linda é como um pássaro
presa entre o real e o imaginário
os olhos cantando por socorro

num mundo doente

disse pra psicanalista:
- está tudo bem. sem problemas. eu pensava demais.

e ela:
- por que você acha que falou isso justo agora?

10/09/2013

verbo esperar

espero agora
o agora chegar

pode faltar pouco
ou minha vida inteira

enquanto isso
o besouro que li em Bukowski
se espalha em tudo que olho
negro e múltiplo

09/09/2013

G1

entendo o artista que se matou
quando leio os comentários dos leitores
na notícia de sua morte

depois da emoção da corrida

toda vez faz frio
então solto os cavalos
(como se fosse uma grande coisa soltá-los)
e me perco nos campos vazios

08/09/2013

manhãs sem luz em apartamentos não incendiados

todos dormem menos eu
no vasto

o som do sábado é o do tempo se perdendo
a vitrola que não tenho toca silêncio
sonho com baobás e passados

caminhões fazem trânsito lá no fora
carros
sempre muitos
sempre indo e vindo
e o mundo esta merda
e eu preso à falta e a mim

(atchim)

leio um poeta aleatório
jogo videogame
como dois pães e chocolate
nada adianta
nada
nada consegue a mínima marola
no oceano de areia do tempo

todos dormem
longe

(espero e espirro)

o peito teima em mostrar que existe

sem enfartar, porém
pulsa suas derrotas todas
(as mesmas de sempre)

sigo sem aprender absolutamente:
alianças no lixo
e mais armários e gavetas
que não abro

sigo sem aprender:
não tenho condições
de começar nada
exceto - talvez - um poema inexato

06/09/2013

entre parênteses

enquanto tu te calas
falo de minhas asas
para acreditá-las

free bird

Para Tayra

tenho andado azul
sem calma
mudo
armado
com escudo na alma
e o corpo desnudo

tenho calado fundo
tenho pesado o mundo

no entanto
ela chega hoje
vem de longe, do espelho, de além da idade
e do tempo

ela é acalento:
beija em vermelho

preparo a casa toda
pra felicidade

04/09/2013

a leveza não virá

a leveza é aceitar
a leveza que se foi
a leveza que chegar

03/09/2013

e você não lê

não nos enganemos:
ex-amantes
são pessoas piores
do que antes

quebrados
descrentes

dentes de dor
numa boca doente

mastigando o rosto do tempo
(vitórias, conquistas infindas)
sem sentir gosto de vida

desconfiando ainda mais,
menos ainda confiáveis

erguendo muros
ainda mais fechados

como poetas
que escrevem apagado

01/09/2013

grandes lábios

enquanto a leveza não vem
vou limpar a sua boca suja
com a minha língua

corpo

trotamos por cômodos
incomodados desejando

sendo nós
carne, músculos e ossos

e sangue
inaudivelmente sangue

sangue com sede
de sexo, amor e sangue

ganância

o sol ilumina meu frio
olho o mundo com olhos sem brio
redondos e amarelos
de amar ela
com ânsia de perto
por elos de distância

maldito

tudo longe
adio viver
pra quando tudo estiver perto

(odeio de forma mais branda)

por enquanto
sem quando
vou de mão dada
com o não dito