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Escritor, psicanalista e poeta nascido no Rio de Janeiro em 1976. Considerado um dos poetas brasileiros mais representativos da década de 2000 na antologia Roteiro da Poesia Brasileira (Global, 2009), é autor de vários livros publicados gratuitamente em seu blog, cujos melhores poemas foram reunidos em A Magia da Poesia (Papel&Virtual, 2000), Corte (Ibis Libris, 2004), rio raso (Patuá, 2014) e o budismo e o tinder (Multifoco, 2020). Mantém o bem sucedido site “A Magia da Poesia”, que teve mais de um milhão de acessos em 2012, onde divulga a obra de grandes poetas. Seus poemas já foram selecionados para livros escolares, traduzidos para o russo e publicados em diversas revistas literárias.

28/06/2019

passar de fase

andar mais inteiro sem buscar metade

avançar mais rápido
parado vendo um filme
fazendo ioga
medicado
meditando

o mendicante ensinado só encontrou ansiedade

espelho e música

meu primeiro grande encontro
foi pelo acolhimento

nenhum toque
nenhum silêncio

minhas falas transbordavam em escrita
e as coisas bobas ganhavam dimensões de prazer ditas
ou escritas

ouvir era tão bom quanto escutar
escrever tão bom quanto ler
nada a esconder

mas o nó a menos
como tudo rui:
do pó ao pó

tudo bem

por um tempo bom
dividir a vida por palavras
era não estar só

27/06/2019

ansiolítico

minha psicóloga acha que sou borderline
minha psiquiatra acha que sou bipolar
e minha psicanalista entrou em depressão

24/06/2019

da definição do nome da borda do transtorno

não é boa a previsão do tempo
necessário porém antever o arco-íris
mesmo com a cabeça nas nuvens

21/06/2019

dark

a tinta na tela
começar é estar pronta
desde antes

a obra é a construção
sem fim ou início
ou não

jogar com ritmo e rima
os traços nas letras
as cores na música
as dores
nas dores

19/06/2019

juntos num ninho além do tempo

mundogira musapassa vidamuda
mas tá lá raquel amarante
me olhando no meio dos montes

raquel amarante ainda escreve
e escreve bem e escreve claro
letras íntimas expostas ao público distraído

declaro à psicanalista canceriana
a minha admiração de décadas
por letras e vontades
por sonhos e sons
(juntos num ninho além do tempo)

15/06/2019

o planeta é o cachorro morrendo

nós somos as pulgas
conscientes de sermos pulgas
mas sem parar de sugar sangue

barras de access na barra

as pessoas fazendo filhos
e eu com a ansiedade da terra
querendo apenas que na água mineral
tenha menos agrotóxico e plástico que a água normal

as pessoas querendo filhos
e eu com a ansiedade da terra
falhando em baixar o índice de suicídio
dos adolescentes que não vêem futuro

as pessoas tendo filhos
e eu com a ansiedade da terra
pegando sol para vencer a depressão
com medo do câncer de pele sem a camada de ozônio

as pessoas fazendo filhos
e eu com a ansiedade da terra
sabendo que o abraço gera oxitocina
e sem ter quem abraçar por mais de uma semana

as pessoas criando filhos
e eu com a ansiedade da terra
vendo animais entrando em extinção
sem poder adotar nem um gato

as pessoas moldando filhos
e eu com a ansiedade da terra
tentando encontrar as perguntas e os pontos certos
para livrá-los dos moldes

as pessoas ganhando filhos
e eu apenas devolvendo lentamente
a ansiedade da terra pra terra
tocando os universos nas cabeças

13/06/2019

escrever velho

abro a tela
e o vazio me examina:
o mar me aceita melhor

12/06/2019

destítulo

o lado mais brilhante
do diamante
é dentro

11/06/2019

barras de access

passei uns cinco anos tentando não ser
num apartamento dual fechado
comendo e lendo e ouvindo e sendo
a mesma coisa
(ansioso)

não levitei
nem vi ninguém levitar

enchi o saco
duvidei de tudo
fiz mil terapias diferentes
passei a frequentar o sol
a me mover
e me deixar

agora
quando medito
ou faço ioga
ou barras de access
ou vejo capitã marvel
sinto a energia absurda

o corpo todo formigando

as mãos
os braços
o universo
a porra toda

dia dos namorados 2019

alguém que diga bom dia de manhã
boa noite de noite
e que tudo vai ficar bem
por mais que um dia
uns memes
por uns míseros meses...

rosas

escrever é um contato mínimo com o todo

abrir minimamente mão do que deveria ser
do que eu deveria ser
e deixar a palavra nascer

é uma fresta de luz na noite enorme
e as primeiras gotas de orvalho no deserto

escrever me salva de mim

hábito

é preciso a coragem de esperar brotar por si
e a coragem ainda maior
de não desertificar você e o mundo

embalagem não reciclável

a raça humana deve durar 30 anos mas continuamos perguntando às crianças: - que vai ser quando crescer?

da falta

ela branca na tarde em branco
antes da noite em claro

o pai está distante e louco
a mãe, trabalhando

ela escreve
e se perde

o tempo tenso
- aqui e lá -
suspenso

lentamente engrenagem

minhas palavras enferrujadas
lentamente brotam das folhas na relva

a raiva olha distante
pássaros tranquilos

o artista toma seu remédio

dentes movem o mundo

delírio

os pássaros cantam em mim
longe nos céus distantes
tão perto de me ouvir

depois

os suicidas
soltam
seus celulares

perto

as camisas dos lugares onde nunca fui
me dão saudades
do que não vi

10/06/2019

grandes progressos no fim do amor

não fiz um poema falando mal dos hábitos dela
e ela não bloqueou
nem no facebook nem no insta

09/06/2019

que ruirão

as palavras brotam
de além da palavra terra

o além: distorção, lenda

toda palavra traz um cansaço
e um conceito
vago

cada onda molha o agora:
em seu som não há palavras
nem no centro de seu sol

o poema:
o problema:
não conseguimos não começar os castelos

05/06/2019

glória

vergamos sob o peso do julgamento alheio
sem perceber o que somos
sem afirmar em luz e cor
a leveza e a alegria e a facilidade

você pode passar 5 mil anos
tentando se adaptar
a um mundo que acabará
em 2050

ou você pode mudar
tudo

04/06/2019

duras penas

minhas musas não duram
nem dois
poemas


heráclito era parmênides

acaricio o teclado e nascem palavras
as palavras se juntam em versos
os versos me acalmam

me baseiam me formam me continuam
por me fazerem continuar

num mundo líquido
onde a constância única é a interrupção bruta
a minha luta com a poesia me aceita

azeita a engrenagem do devir
do ganho e da perda
prazer e dor
em eterno desequilíbrio

o oceano imóvel
inexiste
e não finge

01/06/2019

despedida brusca

é sempre isso aí:
na beira do aniversário
quase chegando as férias

tudo passa
ficam os pokemóns
meio sem graça

e mesmo no ápice do sonho
um quê de fastio e de sono
defeitos bonitinhos começando a aumentar

e finais horríveis
que quase não doem mais

o mar parece maior
some o sol

do silêncio, fantasmas menos autocentrados uivam:
será que ela tá bem?

não é fácil para ninguém

aí você segue com os remédios que não curam totalmente
a praia que não tem tanta graça
e esses poemas que ninguém lê
depois de arrumar a vazia casa

no final vai ser sempre isso aí:
expectativas desleais