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Escritor, psicanalista e poeta nascido no Rio de Janeiro em 1976. Considerado um dos poetas brasileiros mais representativos da década de 2000 na antologia Roteiro da Poesia Brasileira (Global, 2009), é autor de vários livros publicados gratuitamente em seu blog, cujos melhores poemas foram reunidos em A Magia da Poesia (Papel&Virtual, 2000), Corte (Ibis Libris, 2004), rio raso (Patuá, 2014) e o budismo e o tinder (Multifoco, 2020). Mantém o bem sucedido site “A Magia da Poesia”, que teve mais de um milhão de acessos em 2012, onde divulga a obra de grandes poetas. Seus poemas já foram selecionados para livros escolares, traduzidos para o russo e publicados em diversas revistas literárias.

30/04/2016

porque ainda quero (carma)

frio pede cama
frio pede calma
sorrio pra juliana
e me acalenta a alma

me apresento sem lama
me aposento de certo
medito e visto o pijama
pra todos os outros projetos

29/04/2016

além do utilitário automático

(inspirado por esta palestra de Marcia Baja)

já andamos
muito muito tempo
pelo lodo
reagindo

é tempo de ultrapassar
(parados)
os limites do corpo
e dos sentidos

a mente é mais ampla:
dentro dos murros
flores se abrirão

o caminho é pelo silêncio
depois de sim e não
o caminho é além das pernas
e além do chão

sem sair do lugar
sem estar no lugar

my blueberry nights (asas)

uso as palavras
pra brincar com a solidão
da palma da mão
à curva do cotovelo

a cidade cheia
atrasada
apressada
geme lá fora

nasceu um frio bom:
as prostitutas sofrerão na beira da praia
e os bêbados suarão
um pouco menos

resumo

tá tudo no lugar
e eu escrevo ainda
nesta porra aqui
há 22 anos
sem números consideráveis
(exceto de poemas)

é um bom resumo

todas as construções destronadas
me tiram o peso

atraso minha perda maior:
de mim mesmo
com versos ruins
e pessoas ruins de conversa

não é salvação
não há salvação

esse é o vício
de todos os vícios

com isso
não dá pra viver sem risco
mas pelo menos
não engano ninguém

gospel

o golpe é paitriota
enquanto a mãe tricota
recatada e do lar

28/04/2016

escarro

o tempo que gasto
tentando não perder tempo
me alisa o teclado

de certo que passo
equilibrista de palavras, urgências e auroras
tentando agarrar balões coloridos
(véspera de paralelepípedos, ausências e demoras)

hoje não fez sol sobre meus passos
mas ainda há espaço
pro amanhã

evito o mito

num corcovado
de poemas antigos
evito a política
até que a política
nos mata 
entra a rocha e a ressaca

evito a política
até que a política
homenageia a tortura
em cadeia nacional

evito a política
até o bom e velho
golpe da ditadura midiática
me restabelecer a tontura

26/04/2016

perto dos 40

(Para Bukowski)

perto dos 40
você passa a considerar estranho
uma pessoa se aproximar e virar amigo
sem motivos ocultos e interesses transversos

começa a agradecer
pelas mãos ainda não tremerem
em vez de reclamar da raridade de seios para moldarem

olha com vista cansada a idade das beldades de 20
na balada
pensando que talvez você não viva mais 20
rabanadas

estranha as perguntas que você mesmo fazia
quanto ao seu gosto musicallivros e filmes preferidos
porque já sabe que os milagres se dão fora do script
(e não duram)

a dureza da coluna dói pouco
poderia doer muito
mas há palavras

talvez seja sempre assim

tudo bem

25/04/2016

revendo o mundo

as pessoas normais
no escritório em frente
a outro escritório

cristo na parede
aliança no dedo
relógio no pulso

as pessoas normais
se distraem
o tempo todo

dormem tarde
se drogam
acordam cedo

as pessoas normais
sorriem
mas de medo

24/04/2016

não pule

o prédio é muito alto:
não pule do lúdico

nada me matou
só me fez arte
só me fez forte

agora basta seguirmos lúcidos:
sem vida e sem morte

sua lua nua

na porta da minha lua
jaz um poeta morto

a noite em escombros
abaixo dos ombros brandos

digestão difícil
da cegueira:
nosso maior vício

23/04/2016

normalidade

sinto falta da sabedoria silenciosa da floresta
nos jardins de minha avó

lá aprendi a esperar a chuva
e a esticar os galhos na direção da luz

foi no velho jardim que senti a completude
no cheiro da chuva e nas palavras verdes

por isso evitava campainhas, vizinhos e telefones
(nem havia celular)

mas o homem
criou o helicóptero
ao ver um beija-flor

o mesmo homem que hoje se deprime
empilhado em prédios sem terra
e sai para o mercado
comprar produtos empilhados em gôndolas

o homem brinca consigo mesmo
de ser deus
e perde

22/04/2016

tim maia na niemeyer

vivemos um tempo
de paredes finas

fundações baratas
sob estruturas de aparência
com prazo final estourando
por causa das olimpíadas, da fifa ou das tartarugas ninja

tempo de estruturas frágeis
visando o lucro e o autocentramento

tempo de política louca
pela bandeira, por deus, pela família, pela tortura

tempo de relações amorosas superficiais
e muitas opções

tempo de textos com erros
nos livros, nos jornais, nas revistas, na internet, na puta que os pariu
mas sem palavrões

vivemos um tempo
sem tempo
nem sentido

20/04/2016

poema sorrido pro bolsonaro

o peso contamina flores brancas
se espalha em tempos de fome e medo
gruda no coração como uma lei manca

o peso é contagioso

seres leves ao sentir o perigoso peso
tendem a quebrar as pontes mais frágeis
pra construir um monte de muros lisos

é preciso cortar o peso pelo sorriso

16/04/2016

3 f(r)ases longas e repetitivas e geminianas

produzo com muita facilidade as palavras e os atos mais bonitos
produzo com muita facilidade as palavras e os atos mais feios
treino com muita dificuldade o poder de escolha

embrionário

acordo com um poema rápido tetando me escapar
do tétano da zika da cuca da puta que o pariu

(eu cheio
deste plexo vazio)

a poesia é a tinta dourada
com que pinto minha gaiola de mágoa

algo se aproxima com rima
enquanto temo meu futuro sem metal
(minha agonia piramidal)

a poesia é meu álcool
meu vício
meu elixir de longa vida
minha saída fácil
com palavra difícil

eu medito contra o grito
eu medito contra o grito
eu medito: sou o grito

15/04/2016

vaziez

se um mosquito perceber ela, vai ser pelo gás carbônico exalado, antes de achar um melhor ponto em sua pele branca para se deliciar de sangue. se a mãe dela lembra dela no meio de uma tarde entediante, sente o antigo carinho por seu bebê e sente saudade. se uma leoa faminta sente o cheiro dela, mede sua altura e calcula a forma mais segura de atacar. se eu olho pra ela penso em deus.

14/04/2016

filme não revelado

estou de novo no carro com ela me levando pro aeroporto de lima. eu não falo espanhol tão bem. ela não fala português tão bem. sabemos que nunca mais nos veremos. olhos marejados. céu crepuscular. cansaço. silêncio pesado. no rádio, parece piada, mas começa a tocar la barca. momento eternizado sem fotos, poses, selfies ou sorrisos falsos.

descendente

na curva
depois do ápice
jaz a lápide

clara na rua cinzenta

uma flor nascendo
no asfalto do plexo

quebrando o intelecto
a certeza
a dureza
o deserto
a surdez

espalhando por todo o corpo
por todo o mundo
por todo mundo
a leveza da promessa

a surpresa
o milagre da beleza mais frágil

dentro de tantas portas
mortas fechadas
e pontes quebradas por distância e medo

mas uma flor heroica
na terra mais impura
brota da cor dos teus lábios

13/04/2016

treinamento

por baixo do pano quente da raiva
tem o descontentamento constante e morno

sob cada emoção
há algo mais permanente como base

tal qual estas letras negras e mutantes
boiando no mar da folha

12/04/2016

sério (tempos estranhos)

mudo no absurdo da musa
sopro um poema cego
pra não ser assédio

11/04/2016

possessivos

minha calma não é minha
se é minha não é calma

calma é algo maior
que essa cama vazia

auto imóvel

o problema
é que acredito ainda
que existe um eu com problemas e crenças

que existe barco
que existe uma e outra margem
e alguém pra atravessar

o problema é
(dentro dos 5 sentidos)
a solidez da falta

10/04/2016

olhos leitores

o poeta espalha dores
nas cores mais vivas
pra nascerem flores

branca 3

tenho as mãos relaxadas
de quem já teve todos os castelos tensos
destroçados em areia

e do mar incontrolável
as ondas de teus cabelos
me sugerem mar profundo

pois a vida surge curta
e a morte, inevitável
dentro do sonho

branca 2

trago as mãos longe
da alma

e a palavra
sem calma suficiente
pra cantar os afetos mais fortes

como o silêncio que precede a tempestade
como a noite em teus cabelos imprevisíveis

ondas sem mar
perante meu encanto
sem bolsos
sem moedas
mas com um sorriso de pétalas

09/04/2016

lisboa noturna (night train to lisbon)

a luz da ponte
dança na noite

adio pressas
à luz de velas
prefiro poemas num mar escuro

pois o verde é mais verde escrito
do que visto

da tentativa

quando durmo de barriga pra baixo
dói a cervical

quando durmo de lado
dói a lombar

quando durmo de barriga pra cima
tenho pesadelos
ou sonhos com ex

estou tentando
ficar acordado

08/04/2016

pesquisas científicas recentes comprovam

ratos lambidos na infância
ficam menos agressivos

ratos lambidos no pescoço
ficam menos agressivos

ratos lambidos na metáfora
ficam menos agressivos

do frasco

com des-ela
donzela
gastei meus últimos cabelos pretos

meus últimos anos
sem rugas
nem capela

e o fundo
do resto
do pouco
de minha capacidade
de amar

07/04/2016

cotidiano

a harmonia dura
apenas o silêncio da manhã

de tarde quero mulheres e iates
enquanto late o centro de meu desassosego:
o ego

à noite leio
pelo menos dois poemas
antes de dormir

bárbaro

de manhã ela fala bom dia
de noite eu digo boa noite
e às vezes trocamos

conversamos nos intervalos
e sorrimos

sem precisar de planos
apenas milagres
humanos

06/04/2016

eva e a ave

todas as minhas mãos
dentro da árvore

madeira de pássaros
em doce trinado
quente

não sei se as fibras
seguem em seus benefícios
no doce de maçã

mas o pecado
maior
é não

cidade grande

o poeta no edifício
vai ao banheiro
acende a luz
espreme o dentifrício
sai pus

05/04/2016

do vidro

a morte se aproxima pelas beiradas
o amor até agora não levou a nada
além de orgasmo e rancor

mas tudo passo naquele que me desfalece
além dessa minha tristeza enorme
além do eu, do tempo e do espaço

04/04/2016

passo a passo?

sou um golpe
antes de tudo
(fraco?)

já ataco mudo
meus ecos
mesmo calado

mudo pouco
peneiro progressos
e não me basto

pasto rouco
no caminho que sei
e sei que passo