- Fabio Rocha
- Escritor, psicanalista e poeta nascido no Rio de Janeiro em 1976. Considerado um dos poetas brasileiros mais representativos da década de 2000 na antologia Roteiro da Poesia Brasileira (Global, 2009), é autor de vários livros publicados gratuitamente em seu blog, cujos melhores poemas foram reunidos em A Magia da Poesia (Papel&Virtual, 2000), Corte (Ibis Libris, 2004), rio raso (Patuá, 2014) e o budismo e o tinder (Multifoco, 2020). Mantém o bem sucedido site “A Magia da Poesia”, que teve mais de um milhão de acessos em 2012, onde divulga a obra de grandes poetas. Seus poemas já foram selecionados para livros escolares, traduzidos para o russo e publicados em diversas revistas literárias.
29/02/2016
amy
cedo
ela se recuperou logo
com drogas
antidepressivos
poemas
namorados muito mais velhos...
e a maior voz do nosso tempo
quarto na penumbra
gemendo baixinho
troco a expectativa pelo agora
a imaginação pela realidade rosa
a fantasia pela nudez
(tudo o que vejo)
e ela goza
outra vez
na fome do meu beijo
25/02/2016
do ainda estar aqui (em alguma parte sem veneno)
que não vou preparar a terra
e arar com ternura
o futuro castelo
até por todo elo vivido ser verdade
mesmo quando só resta silêncio
depois do som do roído
até por eu ainda estar
(mesmo que derrotado em arte)
em algum lugar aqui
dentro
de tanta idade
24/02/2016
fim do mundo
construímos um mundo sólido
que não há
noto de dentro do silêncio
a ansiedade
esperando o e-mail chegar
(sem nem saber exatamente o que virá nele)
noto dentro do silêncio
a ilusão de um eu
que se cria a cada despertar
no esforço de se confirmar a cada curtida
noto dentro do silêncio
a tentativa de manutenção de uma dor
tanto como característica
quanto como distração
23/02/2016
inconsciente maldito e liso
como posso sonhar isso depois de tudo?
quantos ouriços pra arrancar
de toda a minha pele o seu sorriso?
pra quem que eu vou contar meu sonho?
22/02/2016
sem querer
quer pagar contas
fazer poemas
marcar a vistoria do carro
encaixar o amor romântico num futuro bom
não esquecer o mate fora da geladeira
quer, basicamente, querer
e conta histórias para se distrair do céu
de si para si
então acendo uma vela
e deixo ela seguir
até ela cansar de ser ela
(até eu cansar de ser só eu)
21/02/2016
da rara simplicidade
movimentos lentos
pra não perder
nem tirar a paz
presença
verdade
confidência
sorriso
nada a construir
tudo a construir
vamos
um toque sutil de peles
um filme, um jantar, um abraço longo:
muito mais
19/02/2016
paz e pais
na foto das gatas
no filme visto junto
a vida não engavetada:
nos cantos que tocam o ar
até semear ouvidos
palavras colhendo olhos
(múltiplas
múltiplos)
a vida
tá no silêncio
enfim
desisto de alcançar um outro nível de lucidez
desisto de insistir
desisto de tentar
solto corpo, fala e mente
solto a energia
agora sim
começo
(no fim)
17/02/2016
noite alta
nas minhas letras
nos meus planos
na minha posse
eu sorrio
porque ela ainda
canta
15/02/2016
não mande nudes ao poeta
antes mesmo de dizer o nome
ou bom dia
confunde as estrofes
enrola as letras
naufraga a poesia
(por favor, mande nudes ao poeta)
desenvolvendo prajna
de um einstein ou de uma lesma
é a mesma
13/02/2016
noturno 57
querendo a casa da mãe
com sono e queixas
com distrações e ais:
sós demais
para perceber
a casa em nós
11/02/2016
sonho acordado
meu coração maluco
pulsa caetano na tua voz
um dia a areia branca
a vida inteira
(belo belo)
a casa encontrada ao acaso
sem ruir como castelo
eu casaria
tentando dançar sem canção
agora me aparece ela:
pérola
pérola!
e todo o meu coração
não sabe de mais nada
minha falta de opção
quer pegar em letras
quer fazer versos bonitos
pra prolongar essa atração
pra semear nossa natureza
para seguir junto
a maior quantidade de tempo possível
de tanta voz
tanta sabedoria
tanta beleza
09/02/2016
pearl jam na praia
ela é tão perfeita
que não se acha perfeita
eu vou pela rua
e prometo passar a direita
da menor possibilidade de amor
mas ela é de esquerda e seu canto
é motor de sereia
e me desacelera o pranto
ela é linda e romântica
ela entende bauman
ela sente nietzsche
ela ouve beethoven
ela sofre de juventude
ela passou no vestibular
ela gosta de loucos
ela é minha
fragilidade branca:
a voz mais forte
a utopia mais branda
desnamoro
para tentar tapar o vazio da anterior
não faço mais mapa astral
para encontrar futuros românticos
a maior vitória
é desistir do cântico
07/02/2016
de fora
das coisas que não fiz
por um triz o céu
por um triz o inferno
tenho aumentado a lista
das coisas que não farei
pelo bem do meu sono
e pelo sono dos homens que fazem
06/02/2016
iraniano 40 (sem romance)
do vento
do deserto
de rumi
desperta novamente
a beleza louca da mão
da letra
silêncio de coração
não do céu da boca
(noite preta)
dançaremos justamente
porque a dança é proibida
amaremos realmente
maior que nossa vida
centro da roda da vida
desejamos desejamos desejamos...
e, pra defender nosso desejo, atacamos!
04/02/2016
amor romântico
e recebes pedras...
mas são pétalas forjadas
na irrealidade das coisas
(mãos de mendigo
querendo o sonho em troca)
como se não ventasse
como se só houvesse primavera
aí o que fazes?
paras de ir?
não.
vais.
pelo mesmo caminho desgastado
vais no intuito de dar pétalas
e recebes pedras...
03/02/2016
alice disse
alice me disse
da reclamada repetição:
se é sensual
é falso
montado
produzido:
sem alma
alice me disse então:
o gozo
é a alma do sexo
entendi
mas sigo
corpo docente
repetente
repetindo
mãos:
movimentos
mesmos
capa de revista (mãos para o alto)
modelos magras de dezesseis anos
gordinhas cortam a própria pele
não se sentindo amadas
homens arrancam cabelos brancos
e matam casamentos de trinta anos
velhinhas fazem plástica
e morrem nas mesas de cirurgia
e a ilusão dos dias
passa constante e silenciosa
como
um
rio
02/02/2016
excesso de falta
minha cama branca
é um redemoinho de nomes
manchas
histórias
lembranças
cabelos de toda cor
nela cochilo
giro e troco
tudo
orgasmos fáceis
orgasmos difíceis
algo indizível muito maior que orgasmos
gasto de tempo
gosto de sexo
da beira
do absurdo
ouço legião com dor
e chamo todas
(todas)
de amor
01/02/2016
whatever works: californication
eu sem entregar
meu coração
na sua mão