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Escritor, terapeuta holístico, psicanalista e poeta nascido no Rio de Janeiro em 1976. Considerado um dos poetas brasileiros mais representativos da década de 2000 na antologia Roteiro da Poesia Brasileira (Global, 2009), é autor de vários livros publicados gratuitamente em seu blog, cujos melhores poemas foram reunidos em A Magia da Poesia (Papel&Virtual, 2000), Corte (Ibis Libris, 2004), rio raso (Patuá, 2014) e o budismo e o tinder (Multifoco, 2020). Mantém o bem sucedido site “A Magia da Poesia”, que teve mais de um milhão de acessos em 2012, onde divulga a obra de grandes poetas. Seus poemas já foram selecionados para livros escolares, traduzidos para o russo e publicados em diversas revistas literárias.

28/05/2013

como bolo de chocolate

o colégio ao lado do prédio me acorda com voz de criança
cantam parabéns e com quem será:
aprendemos desde cedo a envelhecer e a casar

reexperimento
lenta e saborosamente
a palavra liberdade
imposta no céu da boca

com a língua solta
brinco com ela:
estréias e estrelas

27/05/2013

sem dente em gêmeos

Para Rebeca

a mente paga seu salário
ganha troféu e diz puta
todo santo dia
mas quando tenta oprimir o coração
(órgão capaz de te despedaçar)
a noite traz sudorese, medo e ataques de ansiedade

a mente disputa
e perde

*

deus
até quando vou correr
atrás da paz
da casa dos pais?

*

vou fazer 40 anos
lapidando discursos
pra convencer a mim mesmo
a não me atirar na cabeça
e a me atirar de cabeça
onde não quero ir

*

vou, por exemplo, no ônibus
com pessoas normais
calmas
casadas
cansadas
lendo jornais

me parecem mais
perfeitas

estou cansado demais de ser poeta
perneta

eu que só sei
me relacionar
com palavras

*

(pelo medo
do fim
termino)

mas saiba:
se outras foram poemas bonitos
você foi
um livro



casamento no domingo

como uma viagem longa
dolorosamente nova
se revelando mágica
única pessoal intransferível

ah, como eu queria te

contar

contigo

não consigo

sigo
contido
e descontente

vendo o mar
(som sem palavras)
revelando e encobrindo pedras
enquanto o bem-te-vi
pousado num vergalhão
entre a água, o cais e o caos
nada vê além do escombro do beco
e cala o seu vôo

26/05/2013

início, despedida e metamorfose

começam-se
vendo o que não é
e querendo ver mais

aproximam-se
dois anjos
de mãos em paz

tateiam
verbam compreender faltas
inventam compartilhar colos
(almas sem armas
que tecem sutilmente
amarras)

passam-se passos
e crono_logicamente
os sorrisos se tornam devassos
a leveza perde-se em tristeza
ambos enjoam-se
enojam-se

atacam-se gravemente
pelo grão de farelo no carpete

depois
sem saber voar
criam a coragem
para lentamente
cortar
(não acreditando que estão cortando até o tombo)
a longa corda tecida
sonhando a última dor

então
de volta ao chão
restam lembranças boas
(que esqueceremos)
amigos
(que não seremos)
e chinelos pequenos
em apartamentos vazios

terrorismo sonhado

meu sonhar sonha
uma bomba atômica
na morada antiga

indefensável,
cai do helicóptero
no alto da rua
no meio da festa

agarro-me às paredes da casa
de costas pro brilho

espero o som absurdo
aguardo
desesperado
o tremor o terror a radiação
cada célula deixar de ser

acordo
inteiro
então

arroubos de glória num condomínio fechado

na hora exata em que paro
sobre minhas dúvidas
para olhar o nada
no sétimo andar do bloco quatro
com a luz acesa
a janela aberta
duas meninas tiram lentamente
a roupa

conversam
vão na cozinha
somem atrás de paredes

camisas brancas
moletons risonhos
cama vermelha
atrás da cortina de um sonho

tudo exato
sob estrelas extintas

não sei

se me tento
ou se me lanço

se me toco
ou se me canso

na dúvida
(maior que eu)
destes olhos cansados de estréias
deixo a luz de Deus tocar
em seus seios sagrados

25/05/2013

todos os idiotas que conheci tinham certezas absolutas

todos os idiotas que conheci tinham certezas absolutas

adamastor não
adamastor só tinha dúvidas
e pontos de desencontro

eis um caso:
namorava uma pequena
sempre fora de casa

desde que ela percebeu
o limite no lar
entrar
virou meta maior

ela batia na porta
ele não abria

ela chorava pedia batia brigava
ele irreduzia

por anos
amaram-se na metade afiada do medo
imaginando segredos

ela tentava arranhava exigia
ele trancava e repetia cheio de lógica:
"O casamento é a derrota biológica do homem."

ela interfonava
ele não atendia

ela mandava carta
ele não abria

ela esperava na porta
ele saía pela janela

foi quando
sobre uma almofada de luz sólida
como que percebendo a existência intraterrena
e tudo o que ele próprio temia
numa virada filosófica
adamastor amou

(luz sólida)

amou sem agonia
sem pontos de fuga
sem rima
inteiro verbo de ligação

preparou a casa com primavera
perfumou as rosas
aparou os pelos
semeou futuros
escreveu uns versos
destravou janelas

desde então:
na quarta ela não podia
na quinta se complicou
na sexta se atrasou
no sábado
ligou bêbada
e disse que não ia

23/05/2013

exame

meço o plexo
lupa de fora
fora de nexo

foco:
facas navalhas espadas fogueiras
                            dentro do vermelho

raios X
no vazio
do vazio

                          tempestade de chamas

        soco

o peito expulsa
            o medidor
ao ritmo de um tambor

cor:
sangue sem água

há mor?

*

algo por dizer
barba por fazer
não faço nada

*

espelho
espelho

eu?

o fio dental nos dentes
desliza dentre os espaços
de todas estas células mortas e vivas
estes carbonos de estrelas antigas
que nos constituem como Falta

para quê?
para onde?

o céu da boca cala
bio e logicamente

o sapato aperta

e a dúvida vai
com a unha encravada
no sentido
                  da palavra

20/05/2013

balões na capadócia

imagínio intensidades

imensas

(a)puro o olhar:

relógios
perdendo
nossos segundos

seguindo

telas
perdendo
nosso tempo

canto a palavra
que quebre o encanto

compartilhar
além do facebook

arte que arda

19/05/2013

o vampiro do teatro

o que for em vão será pra mim

a música une
e me afasto
impune

nesse outono de nuvens
(quase inferno)
quase inverno
vergamos sob o peso do crepúsculo

um copo de mate
beija a boca do horizonte
extremamente doce

violáceo

violento
o dia
adia dores

e se cobre
com a noite fria

16/05/2013

nuvem

escrevo
sob o mesmo silêncio
de um deus que pintasse
os céus de outono

15/05/2013

crescente um outono noturno

vejo a lua mais triste
beijando o prédio gelado
ensimesmado e em riste

a ruga
faz desenhos
na testa

outros fora farão festa
aqui dentro faço feio
(nos meus olhos passo frio)

meio ouço jazz
mas devia não dever
pra ter a paz de um rio

14/05/2013

da mudança

quero uma casa
sem construí-la

poder tocar-te, frágil,
com dedos de piano
sem perder o tato

saber levar por ti
o peso da vida
em teoria leve

não

que a poesia não seja
uma palavra aliviada,
mãos em vício breve

é tempo de argila:
vida a ser reinventada

quero uma casa:
vou construí-la

13/05/2013

ouroboros em dois braços

a noite grita minha paz
em canto

pássaros pousados
no que houver
olham

o início comendo o fim
com a boca cheia demais
pra ter voz

12/05/2013