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Escritor, psicanalista e poeta nascido no Rio de Janeiro em 1976. Considerado um dos poetas brasileiros mais representativos da década de 2000 na antologia Roteiro da Poesia Brasileira (Global, 2009), é autor de vários livros publicados gratuitamente em seu blog, cujos melhores poemas foram reunidos em A Magia da Poesia (Papel&Virtual, 2000), Corte (Ibis Libris, 2004), rio raso (Patuá, 2014) e o budismo e o tinder (Multifoco, 2020). Mantém o bem sucedido site “A Magia da Poesia”, que teve mais de um milhão de acessos em 2012, onde divulga a obra de grandes poetas. Seus poemas já foram selecionados para livros escolares, traduzidos para o russo e publicados em diversas revistas literárias.

30/06/2016

pés aquecidos

amor é tão maior que é pouco.
é muito louco:
paixão é que é bom pra fazer poema

daquela que prende mesmo
e douramos com palavras e lantejoulas
a gaiola sem ar em que nós mesmos nos colocamos
sorrindo pra depois chorar

mas a palavra meuamor não é promessa:
é alívio sem dilema
e uma forma de evitar problemas
como trocar ou esquecer nomes

a palavra meuamor não é compromisso:
é o último míssil
para fora do planeta levando a humanidade
(arca de noé)

a palavra meuamor não é estratégia:
é vontade de paz
em finais de semana
e feriados iguais

não sei o que é a palavra meuamor

veja bem meu bem
não uso roupa de marca, tênis bonito
não faço limpeza de pele, não tenho carro do ano
não ocupo um cargo hierárquico de destaque
e isso tudo não me faz a menor falta

mas por mais que eu silencie
ainda brilha para meu look de fome
o status de relacionamento no facebook
(não some)

29/06/2016

exatamente

minha vida
são pés frios
e preguiça de pegar meias

me sinto constantemente morto
por ficar tão vivo
tão quente
quando ela vem tão rente em música

uma estrela

na amplidão escura

minha alma inexistente
dançando céus de astronávia

ambos gritando pianos
no deserto escandinavo

longe absolutamente
perto

absolutamente pele

(ambos sabemos
exatamente
mas não falamos)

ela tem olhos de ternura triste
eu de cansaço depressivo
mas quando nos olhamos
sorrimos

24/06/2016

cybermuse

saímos do facebook, abrimos o skype. ela ainda tem o mesmo sorriso. eu quero amanhecer no ventre de sua branca maciez, mas calo meu desejo absurdo. ela pega o violão sempre afinado e canta o canto mais lindo já cantado. sem exagero. escolhe músicas para enfrentar a madrugada, muito mais antigas do que seus dezoito anos bem vividos. legião. adriana. zélia. elis. raul. cazuza. cássia. falo do meu calor, tímido. ela pede para eu pedir. peço. ela mostra - devagar - a felicidade. digita rápido. tem frente e verso. mostra e esconde, tudo rosa, tudo branco, se inclina e rima. dança, solta. assim, atravessamos a noite longa. depois do gozo, sobe a calcinha branca e liga caetano. ela quer um cigarro. não há. o indizível começa a tomar corpo em meus poemas nascentes. meus olhos fatigados percebem a perfeição fugaz do instante. ela boceja, filosofando sobre autoconhecimento, desconfiando que eu não estou aqui e ela não está lá... talvez com alguma culpa pelas três horas loucas que passamos. mas foi tudo virtual. pede para eu escrever sobre ela, sobre nós. sorrio. sempre queremos algo além, sempre há algo a ser construído que depois será destruído. vamos dormir junto, separados, com um carinho enorme nos olhos. escrevo o que ela queria.

23/06/2016

noite alta - tudo longe

quebro o silêncio definitivo
porque estou vivo no meio do rio
e os poemas nascendo aqui dentro
cascoalham frios

sua voz suave suo

milagres revolucionários
em quartos fechados antigos
apenas para armários
fazem algum sentido?

noite alta

tudo longe

15/06/2016

amor genuíno

quando me silencio
atento
toco de longe um tempo
muito maior do que uma vida

(muito além do tempo)

não importa muito
a teoria do eterno retorno nietzscheana
se aproximar do poder do agora:
fora do silêncio não se ama

(e já passou da hora)

10/06/2016

caos calmo

o frio me dói os dentes:
estou vivo
num ritmo diferente

passo os tempos dentro
ou ao redor da cama
sendo menos quente

cobertor de lã sobre a colcha
gorro velho na cabeça
paz dentro e fora da janela

à noite ela procurará seu poema
e meu sorriso de agora
será o sorriso dela

09/06/2016

castelos (a boca seca de sahel farzan)

vasculho a terra
meses depois
ainda com mãos em terremoto
e excesso de coração

dentro do escombro
abaixo do ombro
nada

absolutamente nada
pacificou a ilusão separada
de um peito
carne
sangue
e raiva
(minha)

as unhas pretas adivinham
a inutilidade de investigações
detalhes
inquéritos
piscinas

desculpo os políticos
os hemofílicos
os artísticos

pois chove

todas as provas
apontam o mesmo culpado:
o mesmo caminho
errado

onde ecoam agora
os gritos vãos
de nossos antepassados?

quem percebe a diferença
entre a pedra e a tartaruga?

na tempestade lá fora
onde a noite esconde estrelas
há faróis cada vez mais visíveis
longe do estéril turbilhão das ruas

você lento e curvo vai
mas
você ainda olha
pra trás
(e se perde)

escrever embalsama o passado (bolha)

pessoas crendo
em sua ilusão
de serem pessoas

pessoas tendem a buscar
em objetos externos
situações externas
deuses externos

a felicidade
sempre
horizonte

cremos no barco apontando adiante
na necessidade gigante de chegar
na rota estrategicamene planejada
e na urgência desesperada

08/06/2016

num quarto branco

percorro com mãos e boca
sem pressa
esta estátua de mármore quente
com músculos de cavalo
e ternura de seda
no seio da noite fria

encontro tamanho
de ritmos e tons
de pérola

encaixe
de músicas
em silêncio

07/06/2016

cinemático-romântico-ascensional

você sente o perfeito
quando estuda o peito
e o calor se apodera do corpo
e os olhos marejam
e a música sobe
e a tela é tudo
e a tela é ela
(a mesma ela de sempre)

06/06/2016

evolução?

uma meta autocentrada?
a onda leva

uma noite de insônia
e taquicardia

surpreende
restar apenas
a poesia

outra meta autocentrada?
a onda leva

outra noite de insônia
e taquicardia

não surpreende tanto
restar apenas
a poesia

outra meta autocentrada?
a onda leva

outra noite de insônia breve
e taquicardia leve

não surpreende nada
restar apenas
a poesia

05/06/2016

tsunami

o som da onda
contante rugido
ameaça o ouvido

engolirá os prédios?
silenciará a orla engarrafada
com a voz dos afogados?

a onda que ouço sem ver
saiu do sonho
em som e ser

01/06/2016

ave_struz

ela atira o corpo maquiado do nonagésimo andar
quando brilha uma chance mínima
de amor recíproco
na calçada de brita

ela é uma pressa bonita
manda nude
vira cambalhota
grita grita grita

mas a alma
silenciosa e alta
fica