Minha foto
Escritor, psicanalista e poeta nascido no Rio de Janeiro em 1976. Considerado um dos poetas brasileiros mais representativos da década de 2000 na antologia Roteiro da Poesia Brasileira (Global, 2009), é autor de vários livros publicados gratuitamente em seu blog, cujos melhores poemas foram reunidos em A Magia da Poesia (Papel&Virtual, 2000), Corte (Ibis Libris, 2004), rio raso (Patuá, 2014) e o budismo e o tinder (Multifoco, 2020). Mantém o bem sucedido site “A Magia da Poesia”, que teve mais de um milhão de acessos em 2012, onde divulga a obra de grandes poetas. Seus poemas já foram selecionados para livros escolares, traduzidos para o russo e publicados em diversas revistas literárias.

31/01/2016

silêncio de pré-carnaval

a eternidade toca de leve
esse caos em que vivemos
essa perda de tempo

mas estamos muito distraídos
com excessos nos sentidos

mas estamos muito ocupados
tentando ser eternos

29/01/2016

feitiço

espinhos na alma
espinhos no plexo
espinhos no eu

espirros no nada

o nada como única verdade

silencio espinhos
fazendo
nada

o nada faz-se

então

a brisa beija
a ilusão
de minha pele

28/01/2016

pina

filho do vento e da terra

o fogo que me sou vermelho
(in)vento que sou
para esconder o mar
imenso

filho do vento e da terra

corpos são mais que corpos
e movimento de corpos
e

o infinito no corpo
se repetindo

quem não dança
na beira do precipício?

o homem como fogo
de artifício e busca

sorriso artificial do
outono inverno primavera verão
sem ver além

sorriso artificial do
outono inverno primavera verão
sem sentir além

sorriso artificial do
outono inverno primavera verão
sem ser além

27/01/2016

californication has finished downloading

omfg it's me
i'm that drunk mulder
without a drink

26/01/2016

insight

as coisas que você
(acha que) é
ou tende a ser
ou a fazer
brotam nos outros
se aproximam de você

porque querem te mostrar
sua tendências
seus hábitos

porque querem te libertar deles

como um assassino
sempre cercado
de vítimas de assassinato

como um romântico
sempre cercado
de vítimas do romantismo

poema para minha timeline no face

tem uma poema ainda aqui
senhoras e senhores

como uma aranha dançando valsa
com uma centopeia
num baile funk

tem um poema aqui
enquanto mosquitos me mordem
e deixo

a pausa dilacerada
entre o papel e o lápis
exorbita a pela de forma a rompê-la
quebra ossos
hematomas
tombos transdisciplinares
e eis então
a surpresa:

da felicidade ser possível

o fim no braço de josieli
o fino braço de josieli

o traço negro nos olhos
e seu traçado violáceo
violínico corpo
vi(o)lento

a música de josieli é o sim

o abdômen de josiele
é
pra
mim

voltando pra casa

as prostitutas
sob a lua
cheia

os poetas
cheios
de vazio

25/01/2016

estrondo

escombros

silenciosos estrondos
debaixo dos ombros
acima do plexo

tudo é muito complexo
fora do beijo

fora do beijo
ecos do amanhã
na esperança do beijo

percevejos verdes
olhos contrariando frases
e um cansaço enorme
de não tentar

good bye solo

não faz muita diferença
quem vai ou quem fica

todos partimos
todos chegamos
sem partir
sem chegar
se acalma o olhar

o lugar de quem olha
é o mesmo da paisagem

o mesmo lugar
de quem se percebe olhando

economize a passagem
silenciando

24/01/2016

tropecei olhando o celular

a época é de microcontos
e microrelações
pautadas em microcomputadores

eu insisto que não mandem nudes sorrindo
porque o amor do bom dia
antes do boa noite já é um inimigo te ferindo

ontem tive aquela insônia de natal
teclei com uma que não vinha
mas josieli melhorou meu carnaval

a vida tá assim:
rápida, celular e superficial
mas josieli melhorou meu carnaval

alguns ainda tentam
(tipo eu e josieli)
outros nem isso

todos desconectados do presente
todos perdendo tempo no wi-fi

why?

mariele

o precipício da fome
que tira o sono
logo ao lado do suicídio
perto também do poema

vizinhos

os ponteiros afiados dos relógios
me mordem me coçam
mosquitos infinitos

adivinho futuros possíveis
plausíveis

tropeço em adiantamentos
distâncias
palavras

cobertos de mágoas
olhamos um pra tela do outro

conseguiremos
ter
cuidado?

23/01/2016

resolvendo logo

vejo nas manchas da parede
o desabamento que já havia
quando meus cacos
chamaram teus cacos
pra dançar no caos
e você não veio

horário de trabalho

a meia-noite é uma hora solene
para os escritores
quem amam mais à noite

o papel parece mais branco
o silêncio mais brando

e
acordados
sonhamos

21/01/2016

nunca é o ultimo grito antes do silêncio

a vida me entontece

girando no centro
das teias de aranhas
e das histórias que conto
de teias de aranhas
e eu girando no centro

não bastasse o labirinto
a labirintite
e toda a sintomática
de se perder na reação automática

sem conseguir achar
uma saída
além de criar
(mais teias, mais labirintos, mais giros, mais letras)

20/01/2016

romance aprovado

mais uma derrota
que a arte faz vitória

glória, glória
às partes
interessadas
mas faz frio

vou na cozinha
pegar amendoim
pra escrever no vazio

que a noite é longa
e sorrindo editado
não assobio

os melhores jogos eram do atari

o meteoro
desce o rosto do céu
como uma lágrima

18/01/2016

voz forte

descaderno ao lado da cama
pra não lembrar dos sonhos
toda noite
tarde

toda tarde
nota
a perda de tempo
no fantasma mais recente

cabelos e baratas
no chão do ontem
branco como a manhã
e o medo

ela: amanhã
moça de leite
de olho azul verde
e riso não raso

(cedo)

moça
que
sente

sol limpo
na penumbra
fazendo verdade
abraçando com pernas fortes

a sorte
do presente
sem personagens

12/01/2016

mate e pipoca (permanência)

cabelos no chão branco
poucas mãos nas maçanetas
poucos seios
e promessas gastas

ainda nascem besouros
não há mais minhocas:
a personagem do artista chora

as marcas de mofo no armário
onde vejo o rosto de jesus
as marcas de batidas na porta

o microondas quebrado
a água quente falhando
tantas saídas

silêncio concentrado no tempo
fechado
imóvel

tantos últimos
implorando primeiros
(temendo primeiros)

um túnel
longo

um túnel
durando três dias

nenhuma palavra

quantos passos?
quando passa?

11/01/2016

é freud

em 5 anos de terapia
deixei 5 psicólogas
malucas

10/01/2016

rosa choque de realidade

as novinhas tão no instagram
colocam o whatsapp, a (menor)idade, o signo, o estado
e fotos sexys, fotos de fio dental, fotos do piercing, fotos fazendo biquinho

fazem revoltas degradê
pra poder usar shortinho no colégio católico
em prol da geração z

as músicas mandam elas gostarem de dar
(trair
beber
levantar)

as novelas ensinam o drama

os professores chamam de empoderamento feminino

as amigas todas fazem

os pais trabalham
os pais nos celulares
os pais nas festas
(traindo
bebendo
levantando)

os índices com as novinhas sobem:
de audiência
de automutilação
de suicídio

(as novinhas só queriam limites...)

o homem olha e não sabe por onde começar
se canta, é assédio
se dança, é ridículo
se foge, é gay
se fica, é pedófilo

(se fode)

halo

no dia em que o sol
estava dentro de um arco-íris
pensei nos teus olhos azuis e verdes
e desinstalei o tinder

ri muito
de minhas longas tentativas
de tirar leite de pedra
dentro do tinder
e fora do tinder
por anos

a praia estava lotada
de gente casada e solteira no tinder
e eu caminhava
sozinho sorrindo
sem a agonia da solidão

08/01/2016

o poeta

o coração em sangue
brilha na ponta
dos dedos digitando

desejo

queria não entender
não saber
e deixar assim

pagar o IPVA
o condomínio
deixar pra lá

deixar a impermanência
soprar a favor da minha dor
e relaxar no silêncio

porque Bandeira tava certo
todo esforço nisso é vão:
os corpos se entendem
as almas não

07/01/2016

e o celular vibrando

eu acreditava até em capitu
hoje nem em minha sombra

sobra a ansiedade de quem entra no mercado
para comprar sopa
e se vê perdido entre tantas malditas opções
com a fome tirando a roupa
mandando tomar decisões

04/01/2016

sexto poema de hoje (minimalista meio longo)

antes que a meia-noite chegue
melhor dizer:
amei-te

agora há mate na geladeira fria
e meu vazio assobia letras quentes
na superfície vermelha de marte

(olhando do espaço sideral
nossas metas eram menores
e nossa decepção, banal)

pau de selfie rimadinho

ponho o teclado no colo
para escrever sobre a lápide do tempo
como quem toca uma guitarra

(já estive bastante tempo fora:
é hora
de voltar!)

aumento os dias em vão
buscando a janela
pra fora do sofrimento cão

está na moda o texto curto
então qualquer absurdo
é poema no instagram

o mau agora
é o bom
ser o superficial

entressafra (substantivo feminino)

há noite demais
gente demais
excesso demais

mas
dentro do meu quarto
caberia mais uma

sociedade (visual-idade)

a poesia:
grito calado
no canto da noite
que ninguém vê

disrupção

eu deixo os ventos
descontrolados
rasgarem as páginas
deste livro em tela

deixo a avalanche
ser pânico
ser ela
antes de ser nada

a morte em vida
da amada imaginária
desenterro a cada filme
que penso ser

(minha voz
dança com ela
na casa dos avós)

me distraio traindo
minha dor branca
de neve incolor

mas
adiante
vou

e vou apenas
porque voo
na luz da pena

meta

não vou insistir
em seguir descalço
pelos cacos de vidro

devido ao hábito
devido aos astros
devido ao que for

não vou mais rimar
amor com dor

02/01/2016

cruzeiro

a palavra em mim não morre
nem a cisma
de sair da mesma água

cansaço e mágoa
pelo tempo mal gasto
na margem errada do rio

assovia o vento acima
enquanto o mar corre
por baixo do navio

eu sento e silencio de dia
no caminho da razão
mas a fome canta de noite
no vazio do coração

Imagem: foto de Fabio Rocha